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É possível evangelizar o Lausperene quaresmal? (1)

É já na próxima quarta-feira, dia 22, início da quaresma 2023, que inicia também o mais que tricentenário lausperene promovido por Dom Rodrigo de Moura Teles em 1710. Serão 44 dias de adoração espalhados por 23 igrejas, sendo que aos Terceiros se junta Ferreiros nos dias 12 e 13 de Março. Desde há mais de 10 anos que a opção de várias igrejas, mesmo tendo retábulo ou tribuna, é a de fazerem a exposição da custódia sobre o altar da celebração. O ritual da «Sagrada Comunhão e Culto do Mistério Eucarístico fora da Missa» afirma no n.º 93: «Coloque-se a píxide ou a custódia sobre a mesa do altar coberta com uma toalha. Se, porém, a exposição se prolongar por bastante tempo, e no caso de se usar a custódia, pode utilizar-se um trono colocado em lugar mais elevado; mas deve evitar-se que este seja demasiado alto e distante». No n.º 82 afirma: «A exposição da santíssima Eucaristia… leva a reconhecer nela a admirável presença de Cristo e convida à íntima comunhão com Ele, união que atinge o auge na comunhão sacramental. Por isso, favorece de maneira admirável o culto que lhe é devido em espírito e verdade. Deve atender-se a que transpareça nestas exposições o culto do Santíssimo Sacramento na sua relação com a Missa. (sublinhado nosso). No adorno da exposição, evite-se cuidadosamente tudo aquilo que de algum modo possa obscurecer o desejo de Cristo que instituiu a santíssima Eucaristia principalmente para estar à nossa disposição como alimento, remédio e conforto». Mais interpelados seremos a realçar cada dia mais a relação entre altar e eucaristia se tivermos em conta um pouco da sua história. Nos primórdios, era celebrada nas casas, numa mesa normal da casa de família. A partir de 350, depois da paz de Constantino, começam a proliferar as basílicas por todo o lado, mas com um só altar. A partir do século VI, começam a multiplicar-se os altares nas igrejas, sobretudo pelo incremento dos monges presbíteros nos mosteiros e o consequente incremento das missas privadas: votivas, pelos defuntos, satisfação das penas aos penitentes, etc. E como os sacerdotes não chegavam para celebrar todas as missas pedidas pelos fiéis, estabeleceu-se que nenhum sacerdote podia celebrar por sua iniciativa mais que 7 missas por dia! Mas se os pedidos dos fiéis fossem muitos, podia celebrar quantas fossem necessárias, inclusive mais de 20 por dia! (José Ramos Regidor, El sacramento de la Penitencia, Sigueme, Salamanca, 1975,pp. 213-214). Esta prática foi muito estendida nos séculos VII, VIII e IX. Dela resultou também a proliferação de altares e capelas nas igrejas para atender o surpreendente aumento de missas privadas. E como nada entendiam da eucaristia, celebrada em latim, os fiéis foram procurando novas formas de piedade popular. Muitas delas mantiveram-se até ao Vaticano II. «É precisamente na Idade Média que atingem um auge especial a devoção à presença real e outras formas de devoção eucarística, como a elevação da hóstia na missa, o culto das sagradas espécies, a colocação do tabernáculo sobre o altar e a lâmpada do Santíssimo, a festa do Corpo de Cristo, as procissões com a sagrada hóstia, as quarenta horas, etc. A escassa participação do povo no banquete eucarístico tentar-se-á em vão compensá-la com o poderoso incremento do que chamamos piedade eucarística. Mais surpreendente ainda foi que, precisamente quando, aparentemente, se incrementa a piedade eucarística, se constate o abandono quase massivo da comunhão sacramental por parte dos fiéis. Incrementa-se a adoração das espécies sacramentais, mas decresce escandalosamente a participação no banquete. Dá-se uma subversão de valores: o que devia ser principal converte-se em secundário; e ao invés». (José Manuel Bernal, La celebración: bases para una comprensión de la liturgia, Verbo Divino, Pamplona, 2010, pp. 269-270). A nível construtivo,: «o retábulo vai crescendo em proporções, e o altar vai-se convertendo cada vez mais numa espécie de suporte do retábulo. Inicialmente, o importante era o altar. O retábulo só se entendia em função do mesmo. Depois, o importante será o retábulo, e o altar converteu-se num apêndice do retábulo. Deixará de ser mesa e já não será possível rodeá-lo e cobri-lo com toalhas que pendam dos 4 lados. Deixou de ser mesa, para se converter numa espécie de suporte ou mostrador sobre o qual se podiam colocar toda classe de coisas: pão, vinho, missal, velas, sacras, flores, relíquias dos santos, etc.». (Idem, p. 271) As consequências são devastadoras: os fiéis não comungam, mas adoram a hóstia consagrada… o altar, situado nas alturas, é a reprodução exacta da ara do sacrifício; distante dos fiéis e elevado sobre as suas cabeças, já não é a mesa do banquete eucarístico partilhado por toda a assembleia, mas a ara sacrificial em que actua como ministro o sacerdote, concebido não já como o irmão mais velho, que preside à assembleia em nome do Senhor, mas como o grande pontífice, mediador entre o povo fiel e o Deus altíssimo». (Idem, p. 271) Se entendermos bem a Eucaristia, não colocaremos as nossas energias em pormenores que, em vez de a exaltarem, louvarem e adorarem verdadeiramente, a obscurecem e diminuem. E sem qualquer fruto verdadeiramente evangelizador.
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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18 fevereiro 2023