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E os 316 mil ?

Hoje, milhares de portuguesas e portugueses vão votar antecipadamente nas eleições legislativas. Ontem deveria ser dia de reflexão, mas alguém se esqueceu de que o voto antecipado não retira nem pode eliminar o mesmo direito que milhões de portugueses terão no próximo sábado quando “as armas” da campanha se calarem. O processo eleitoral deveria ter merecido melhor sorte por parte da Comissão Nacional de Eleições que, para todos os efeitos, deveria representar todas e todos os eleitores. Secundarizar nesta matéria os que hoje vão às urnas, é um profundo desrespeito pela mesma lei eleitoral que não permite tratamento desigual.

E se, de forma inédita, nos deparamos com as dificuldades que a Pandemia trouxe para este ato eleitoral, teria sido equilibrado que a CNE se tivesse pronunciado sobre esta matéria. Se me perguntarem se sou a favor do Dia da Reflexão, julgo, que a maturidade evidenciada pelas eleitoras e pelos eleitores, dispensa este período que tem tanto de inócuo como de desajustado à realidade do país.

Os que hoje, como eu, vão votar têm o direito de reclamar pelo tratamento desigual e se quisermos ir mais longe, protestar pela forma como aquele organismo continua a comunicar, mantendo um tom excessivamente formal e pouco condizente com o que se espera da agilidade nos instrumentos que tem ao seu dispor para fazer o seu papel.

Seja como for, estamos perante um novo desafio em poucos meses e o cansaço ou a des(ilusão) que muitos manifestam com o sistema de representatividade, não pode ser motivo para nos alienarmos do que deve ser a nossa atitude como pessoas que têm uma palavra a dizer hoje ou no próximo domingo.

Ao refletir sobre esta caminhada encetada pelo Movimento de Cidadania Contra a Indiferença, é possível chegar a uma conclusão: o trabalho que iniciámos a 25 de Abril de 2021 tem de continuar, mas ao invés do que aconteceu até estas eleições, terá de passar a ser permanente e essa é a boa nova que nos deve mobilizar a todas a e a todos. Convencer os indecisos que ainda têm dúvidas sobre o direito e o dever de ir às urnas e os que se encontram confinados, é agora uma batalha decisiva para não comprometer, ainda mais, a representatividade eleitoral. Apraz-me registar dois factos sobre a Abstenção ocorridos em momentos distintos esta semana: a família do trabalhador de um café de que falei nas anteriores eleições, que não votava regularmente, confidenciou-me que desta vez, lá em casa, vão todos às urnas. Fiquei contente e espero que mantenham viva a sua disponibilidade para exercerem de forma ativa a sua cidadania, como também fiquei contente por ontem ouvir de uma trabalhadora do mercado municipal de Braga, a sua vontade expressa e da família para se deslocarem às urnas no dia 30. São apenas dois exemplos, não podem ser generalizados, mas são um sinal de esperança que devemos estimular nesta longa maratona que nos espera. Do mesmo modo, que ao ouvir mais de uma centena de estudantes nas escolas secundárias a debaterem a participação cívica da sua geração, senti-me orgulhoso pelo despertar para uma boa nova: é que temos jovens dos 16 aos 18 anos interessados e, motivados na dose certa, disponíveis para serem parte ativas no futuro deste país. Se formos capazes de elevar o discurso a um nível de qualidade que nos aproxime das legítimas aspirações dos que querem participar, se formos capazes de ouvir e sem malabarismos, dermos uma oportunidade à Democracia participativa, estaremos a viabilizar a ascensão do regime ao nível que todos desejamos, expurgando, por vontade própria, os que nos acenam na Europa com tiques autocráticos. Esta fase da nossa vida exige que cada uma e cada um seja um operário da Democracia, não um vendedor de ilusões, que humildemente se reconheça que os 50 anos do regime, que comemoramos em 2024, deve ser digno da herança dos que pereceram, dos que foram encarcerados, dos que sacrificaram a sua vida para gozarmos em Liberdade os direitos e as garantias constitucionais, a que se deve acrescentar o inevitável Dever, tantas vezes esquecido, por culpa própria, nos momentos cruciais para a democracia: a ida às urnas.


Autor: Paulo Sousa
DM

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23 janeiro 2022