E tudo aconteceu quando o filho do sapateiro foi entregar um par de sapatos a casa de um músico importante que tocava rabecão. Ora aconteceu que precisamente nesse dia, o músico andava a mudar de casa.
Naquela barafunda de portas abertas e coisas espalhadas pelo jardim e passeio, chega o pequeno com os sapatos. Olhou, olhou, tentando encontrar alguém que lhe recebesse a encomenda. E como não viu ninguém, foi entrando portas adentro, viu umas escadas que subiu e assim chegou ao sótão, também repleto de coisas espalhadas pelo chão. Encostado a uma cadeira estava um velho rabecão. O garoto pegou-lhe e começou a dedilhar uns acordes.
Nisto, entra um criado apressado. Vinha do camião das mudanças para levar mais coisas. Viu o garoto e o seu gesto e ouviu os acordes. A criança, de repente, pousa o rabecão e pega no par de sapatos e diz timidamente:
– Venho trazer os sapatos do senhor músico...
E logo o criado, ríspido:
– E quem te manda, a ti, sapateiro, tocar rabecão?
– Eu não sou sapateiro, sou o filho… – responde o garoto com humildade.
– Ora, é a mesma coisa! – diz o criado, com maus modos.
Mas não era. O músico, que também ouvira os acordes e interrogou o criado e por ele soube tudo o que se passara, chamou o miúdo, foi falar com o pai e pediu-lhe que o deixasse frequentar uma escola de música onde ele, músico, também era professor. E assim aconteceu. E o rapaz mostrou tal talento e aplicação que chegou a ser o músico mais famoso daquela região.
E assim se desfez um mito.
Mas, como tudo na vida, outro nasce: “Põe a render os teus talentos e sê na vida o que desejares.”
Autor: Maria do Céu Nogueira
E o mito se desfez...
DM
31 dezembro 2019