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É nos momentos de crise…

1. Em 12 de Nov/2021, 276 subscritores católicos, de variadas profissões, dirigiram uma carta à Comissão Episcopal Portuguesa (CEP) a propor que fosse criada uma Comissão independente para investigar eventuais “crimes de abuso sexual na igreja em Portugal”. A CEP assumiu a responsabilidade institucional de o fazer. Pode ser um primeiro passo para mostrar que as leis da natureza devem estar acima de meras tradições culturais. Todos sabemos que a necessidade de mudanças gera sempre alguma apreensão e exige um esforço de adaptação que só a esperança de um bem maior consegue motivar e compensar. Mas, não se pode esquecer que a mudança faz parte da condição e do crescimento humano, mesmo sabendo que toda a renovação exige coragem, inteligência, humildade, determinação e prudência. E que é nos momentos de crise que se revela a capacidade mobilizadora de previsão e liderança e a sua abertura à mudança, cimentada na coesão afectiva do grupo. Quando uma instituição deixa de interessar aos seus destinatários e eles se afastam, só resta aos seus responsáveis um caminho a seguir: analisar, em grupo, a situação, identificar as causas e propor soluções que as resolvam. Ignorar a crise, encobri-la ou negá-la só a agrava. Recear fazê-lo é manifestar medo de se renovar e adaptar. Nós somos eternos aprendizes. Piaget definia a inteligência como a capacidade de adaptação.

2. Por outro lado, vivemos numa época de mudança muito acelerada, a que Zigmund Bauman chamou cultura líquida. De tal modo que quem não for capaz de compreender a dinâmica interior e geral desta rápida evolução arrisca-se a ficar mais depressa fora de tempo. Antes, vivíamos num tempo de cultura sólida e pensávamos que isso nos dava garantias para toda a vida; hoje, vivemos num tempo de cultura líquida, onde “a mudança é a única coisa permanente e a incerteza a única certeza”. As relações pessoais tendem a tornar-se líquidas, a construção de um casal acontece sem a integração entre dois indivíduos. Tudo está submetido à lei da superficialidade. E do consumo. As amizades e os relacionamentos amorosos tendem a ser substituídos por conexões que, a qualquer momento, mudam e podem ser substituídas por outras. Não se procura a estabilidade do amor, como há umas dezenas de anos atrás; a amizade é substituída pela busca do prazer, mesmo que a pessoa se tome como um objecto. Não interessa a qualidade da relação, mas a quantidade de conexões. Veja-se o que se passou recentemente, no pico da crise de pandemia do covid-19, quando os casais foram obrigados a estarem mais tempo juntos em casa para evitar maiores riscos de contágio: os conflitos, as separações e os divórcios aumentaram. Por outro lado, como a modernidade líquida é totalmente oposta à modernidade sólida, aumenta o risco de fragilidade da pessoa e das instituições. E, à medida que as instituições se forem fragilizando, tendem a perder coesão e cada pessoa tende a ser a sua própria instituição. A modernidade líquida é ágil, acompanha a moda e o pensamento da época.

3.Como contribuir para mudar isto? Pensar que se pode mudar isto com discursos de condenação e racionalização é pura perda de tempo e só agrava mais o distanciamento, o desinteresse e o descrédito. É por isso que, hoje, não é fácil ser líder e o critério de escolha dos líderes tem de mudar. Talvez a religiosidade pessoal não tenha diminuído, mas hoje é diferente, o sujeito só aceita e só acredita no que lhe der satisfação pessoal. A sociedade atomizou-se. Hoje, o que conta não é a instituição, mas a pessoa. Daí que a importância de perceber a essência humana seja cada vez mais crucial e mesmo determinante para o sucesso de uma liderança. Daí que a selecção de líderes tenha de ser diferente do que era. E a acção de liderança precisa de ser mais dirigida à pessoa e ao pequeno grupo e, a partir daí, ir-se alargando. Mas, também não se pense que criar pequenos grupos resolvem automaticamente tudo. Até porque eles são tecnicamente exigentes e subtis. Nem para ser líder basta acumular informação. Esse é o risco da escola de hoje que confunde informar com formar. Formar leva tempo. E a formação pessoal não pode ser feita como era há uns anos atrás. Tem de se ir construindo uma pedagogia de tomada de consciência, integrada, participada. O grupo precisa de um líder que saiba ser chefe quando for preciso, mas sempre de forma inclusiva e agregando na amizade. E que ajude a ir estabelecendo objectivos progressivos, cujo processo começa a partir da base, da análise, da síntese e do compromisso na decisão. Porque só a participação, apoiada no respeito e na amizade, é mobilizadora. Por outro lado, o líder tem de ser capaz de dar o exemplo, de rentabilizar os talentos, favorecer a autonomia individual e colectiva, saber elogiar, facilitar a tomada de decisões, ajudar cada um a tomar responsabilidade no grupo. Tem de ser sincero, inovador, disponível, descontraído, ter confiança em si e nos outros, ser directivo para mostrar as suas convicções pessoais, mas não-directivo para aceitar que os outros manifestem também as suas. Sem esquecer que nem todos os elementos do grupo têm a mesma velocidade de progressão na evolução pessoal.


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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21 novembro 2021