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«Está [tudo] bem». Terão sido estas as últimas palavras de Kant. Sucede que o mundo não está bem.
Não está bem na Rússia e na Ucrânia, de que tanto se fala. E está mal no Afeganistão, no Sudão do Sul ou no Iémen (entre muitos outros), que quase todos ignoram.
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Acresce que o mundo também não está bem nos Estados Unidos, na França, no Reino Unido, na Itália, etc. São países desenvolvidos e democráticos, é certo.
Mas será que, no seu interior, os direitos humanos são integralmente respeitados? Perguntem aos pobres como se sentem e aos estrangeiros como são acolhidos.
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E o nosso país? Portugal estará bem na saúde, na educação e na protecção social?
Estarão bem os idosos? Estarão bem as crianças? Estarão bem os trabalhadores? Estarão bem as famílias?
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A família é um pequeno mundo. Só que o mundo está longe de ser uma grande família. Há violência no mundo, mas haverá paz nas famílias?
O nosso (desarrumado) quotidiano está sofregamente invadido por notícias de maridos que matam esposas, de filhos que eliminam pais, de netos que assassinam avós. Como pode o mundo melhorar se a situação da família não cessa de piorar?
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Regra geral, escalpelizamos os sintomas até à medula.
Mas não investimos, um minuto que seja, na procura dos motivos de toda esta penosa desestruturação.
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Ninguém contestará que – como verbalizou Jorge Dias em 1968 – «é a educação familiar que contribui para que se mantenham os ideais básicos de um povo».
Acontece que a perda das concepções perenes de vida, «sem substituição por nada de concreto e claro, passou a ser um facto».
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Resultado? «A brandura dos costumes e o temperamento cordial do nosso povo vão sendo substituídos pela dureza e grosseria».
Ou, concomitantemente, pela persistência de atavismos (como as superstições mais arcaicas e alógicas) que empestam igualmente a vida de uma cólera descontrolada e barbaridades sem fim.
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No dizer de João Gonçalves, germina todo este pasto de horrores «numa tremenda ecologia anti-espiritual e materialista». Deixamos de olhar para lá de nós, para lá do instante, para lá do mundo.
Segundo Immanuel Kant, a humanidade precisa de Deus como garantia do Bem Supremo. Apenas Deus é o baluarte da moralidade e, portanto, da virtude que, por sua vez, conduz à felicidade.
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Sem Deus, prevalece o «eu» de cada um e os seus ímpetos irrefreados.
Não temos paz porque, até para Deus, olhamos a partir de nós. Ainda não percebemos – como notou Timothy Radcliffe – que «a paz consiste em descansar no olhar de Deus».
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Necessitamos, pois, de um prolongado «sábado no coração» (Santo Agostinho). E de, à semelhança de Gregory Boyle, apresentar Deus como «Aquele que não consegue tirar os olhos de nós».
São olhos que amam. E que – nessa medida – impedem de odiar, de agredir e de matar!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira