Não será sempre fácil entender a vida política e os seus altos e baixos, a sua instabilidade, o desentendimento entre os diversos partidos, enfim, no que a democracia nos proporciona.
Claro que um regime como o nosso parece, aparentemente, mais instável do que um regime ditadorial ou um regime autoritário. Pelo menos, enquanto estes conseguem durar. Mas sempre resta a dúvida sobre a legitimidade de quem manda e do que manda fazer. Curiosamente, a corrupção é mais badalada num sistema democrático do que nos outros. A liberdade de expressão é um direito natural duma sociedade humana, pelo que o que se passa à nossa volta de desonesto, injusto ou deplorável, em princípio, é mais difícil de ocultar num sistema aberto e de livre expressão do que quando a autoridade fecha a boca ao cidadão com uma espécie de açaime que não o deixa exprimir com tranquilidade a sua opinião sobre um tema que não é do gosto de quem manda.
Uma manifestação do poder do cidadão traduz-se nos votos que deixa nas urnas eleitorais. São secretos, precisamente para que ele possa exprimir sem coacção o seu parecer. Por isso, sempre que o poder de quem governa se torna impossível ou difícil, uma eleição é a foz natural de quem perdeu o apoio legítimo dos eleitores - se quisermos, do povo - para continuar as suas funções.
Vamos, pois, todos participar nas eleições do próximo dia 30 deste mês. Dá pena recordar que tem havido uma inércia comodista dos que deviam exprimir nas urnas as suas opções. Referimo-nos, obviamente, ao número desastroso de abstenções dos votantes. E porquê tanta gente desinteressada?
Não se encontram causas suficientemente compreensíveis e louváveis para o estado de coisas tão desagradável da nossa democracia. É muito triste - com isto não queremos pôr em cheque a validade democrática da eleição - que o actual Presidente da República tenha sido escolhido, no ano passado, com o concurso efectivo de 2.533.799 (60, 51%), num total de 4.261.200 de eleitores, que se dignaram ir às urnas cumprir a sua obrigação de cidadãos. O que se torna lúgubre e triste é que os abstencionistas somassem 6.474.096. Ou seja: houve, da parte do eleitorado, uma indiferença doentia, esquecendo o dever moral de deixar no sítio correcto o seu parecer sobre o que lhe pedia o país.
Os motivos que levaram a maior parte dos nossos compatriotas a desligar-se dessa obrigação democrática não correspondem a razões de louvor. Decerto que houve quem não pudesse votar por doença ou por outras circunstâncias impeditivas real e objectivamente de o fazer. Mas uma multidão tão volumosa de eleitores ausentes só é explicável pelo desinteresse ou pela preguiça de dedicar uma parte de um dia determinado a uma obrigação que todo o cidadão deve cuidar.
Não é obrigatório votar, sabemo-lo bem. Mas a consciência de um cidadão deve adaptar-se ao que é devido e não ao comodismo. Um regime democrático debilita-se se os cidadãos não cumprem com uma obrigação tão ostensiva.
A democracia não existe para facilitar a preguiça e a tibieza dos cidadãos. Pelo contrário: conta com o seu concurso para fomentar a justiça e tornar mais consciente o cumprimento dos deveres de cada um em liberdade.
Oxalá que as próximas eleições deste mês levem às urnas de voto a maior parte, senão a totalidade dos cidadãos que deve cumprir tão louvável obrigação a favor da sociedade portuguesa.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva