Têm vindo a público ultimamente frequentes casos de governantes e quadros da Administração Pública que viajam para o estrangeiro a expensas, ou seja à borla, de empresas e organismos com os quais mantêm relações institucionais; e esta situação dúvidas levanta sobre se isto é já uma forma de compensar decisões tomadas ou de influenciar decisões futuras sobre esses gestores públicos.
Efetivamente existe um Conselho de Prevenção da Corrupção cujo objetivo primeiro é procurar diminuir o risco de haver quem tome decisões prejudiciais ao Estado; mas, o cidadão comum interroga-se sobre a isenção de tal Conselho, quando houve dizer que alguém que a ele pertence aceita viajar por convite e decide sobre compras avultadas de material informático.
Pois bem, para a desejada tranquilidade dos cidadãos e o funcionamento cabal da Democracia, as coisas têm de mudar o que obviamente começa por aos usos e costumes se dizer definitivamente não; e, deste modo, qualquer funcionário público, desde governante a porteiro de repartição, que colha vantagens patrimoniais ou não patrimoniais no exercício do seu cargo, seja exemplarmente punido por lei.
Segundo o artigo 372.º do Código Penal a pena a aplicar a tais situações é de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias; mas, ironicamente, o mesmo Código diz que se excluem deste crime condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes.
Assim, a polémica estalou quando o Ministério Público fez pressão sobre os três secretários de Estado (Rocha Andrade, Costa Oliveira e João Vasconcelos) que viajaram ao Euro 2016 à pala de empresas nacionais com ligações às respetivas tutelas e os obrigou ao pedido de demissão, embora muito tempo passado após a ocorrência dos factos; e isto pressupõe que os três governantes acharam normal a sua prática, enquadrando-a, quem sabe, na aprovação que lhe era dada pelos usos e costumes nacionais.
Ora, sempre fomos um povo muito cinzentão e dado ao favorzinho, à cunha, à gorjeta e na maior das levezas e impunidades; e, por isso, as páginas da nossa centenária História eivadas estão de injustiças, promiscuidades e de um nacional-porreirismo e chico-espertismo, onde a prática da corrupção, do compadrio e do arranjismo se instalou, mormente na Administração Pública;
basta olharmos para trás e para o lado para vermos que a coisa tão evidente é como dois e dois serem quatro; e, quando perguntamos a certos políticos se receber uma caixa de robalos, um relógio de ouro ou um apartamento como paga de um favorzinho é um ato de corrupção, pasmamos por eles, impávidos e serenos, acharem que não passa de uma simples cortesia que encaixa perfeitamente na lógica dos usos e costumes.
É tempo, pois, de dar às coisas o nome que realmente elas têm e proceder urgentemente à revisão do Código Penal no que a esta matéria concerne; e, sobretudo, a que a prática dos usos e costumes se aplique, apenas, a situações dignas, edificantes e exemplares e não sirva para escamotear a realidade dos factos.
E, depois, no ato de posse dos membros da Administração Pública, a afirmação solene que fazem sobre o desempenho das suas funções, seja corrigida; e, assim, declarem alto e bom som:
Eu abaixo assinado afirmo solenemente por minha honra que cumprirei com lealdade e isenção as funções que me são confiadas e aos usos e costumes digo não.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado