Estamos tão habituados à frase “o Verbo fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14) que talvez estranhemos o título desta reflexão. Contudo, é esta a tradução mais literal do verbo grego skênóô: “acampar”, “montar a tenda”. É por isso que, na proclamação deste texto, em dia de Natal, opto invariavelmente por esta versão.
Por motivos diversos (variações climáticas, pastoreio dos rebanhos, trocas comerciais ou carestia de alimentos [Gn 42, 1-5]), o nomadismo constituía o modo de viver das mais antigas civilizações. Neste contexto, a tenda, primeira habitação construída pelos homens (Gn 4, 20; 9, 21), assume uma relevância acrescida: aí se fortalece a coesão do grupo familiar e se proporciona acolhimento ao hóspede. Partilhar a tenda ou nela entrar é sinal de intimidade, que só a pertença a uma família ou a hospitalidade possibilitam. Era assim em tempos remotos e, apesar da sedentarização, ainda continua a ser. Quantas experiências belas guardamos dos tempos do escutismo ou das férias no campismo! A tenda reveste-se de uma grande densidade de sentido.
Não plantada de forma estável, é feita para ser mudada. A sua estrutura flexível permite que se lhe alargue as dimensões, em função dos membros do clã ou do número de hóspedes. Permite ainda ser deslocada de um lado para o outro, segundo as necessidades e exigências da vida nómada. Assim se entende o apelo divino, em Is 54, 2-3: “alarga o espaço da tua tenda, estende sem medo as lonas que te abrigam, e estica as tuas cordas, fixa bem as tuas estacas, porque vais aumentar por todos os lados”.
A expressão “... e acampou entre nós” evoca necessariamente o nomadismo das origens de Israel e um dos modos da presença de Deus, no Antigo Testamento: a Shekinah (é interessante notar que as consoantes são as mesmas, no hebraico e no grego). Foi na experiência do êxodo, ritmada pelo som do bastão e pela experiência de montar e desmontar a tenda, que Israel tomou consciência de ser um povo. Na Tenda do Encontro, fazia a experiência de um Deus que, em atitude nómada, está com o seu povo e com ele caminha (Ex 25, 8-9; Nm 12, 5). É por isso que a Festa das Tendas (Sukkôt) é uma das principais celebrações do Israel sedentário: durante sete dias, o povo deixa as suas casas, habita em tendas e assim faz a experiência dos seus fundadores. Sedentarizado, não perde de vista a sua identidade de povo a caminho.
Os profetas falam da tenda, mas no sentido escatológico, para evocar a futura e definitiva presença de Deus (Jl 4, 17-18; Zc 2, 14; Ez 3, 37). Assim a entendem também os textos do livro do Apocalipse que a ela se referem: 7, 15; 12, 12; 13, 6; 21, 3. Pelo meio, já a Sabedoria havia estabelecido a tenda entre os homens (Sr 24, 8).
Ligando os textos, o autor do Quarto Evangelho parece querer sugerir que o Verbo encarnado é o lugar da presença escatológica de Deus, o verdadeiro templo onde Deus habita (cfr. Jo 2, 19-22) e se torna possível o culto “em espírito e verdade” (Jo 4, 23). Afirma, deste modo, que é na pessoa de Jesus Cristo que Deus e a humanidade se encontram. Na tenda da nossa carne (cfr 2 Cor 5, 1), o Verbo de Deus faz-se nosso hóspede, ao mesmo tempo que nos torna hóspedes da sua divina natureza. Desce até nós para nos elevar até Ele e sugerir-nos que não precisamos de muito para viver e ser felizes: basta que, na simplicidade e despojamento que a tenda evoca, alarguemos o espaço da nossa tenda e valorizemos o essencial.
Como nosso hóspede, pede-nos que O acolhamos, escutando-O e deixando-O entrar nos recantos da intimidade e nos caminhos da vida. É por isso que o Natal mais intenso e mais autêntico é o que acontece no coração, quando acolhemos o mistério do Deus connosco e em nós. Ao hospedar-nos na sua tenda, sugere-nos que deixemos que Ele eleve a nossa humana condição e que, em seu nome, abramos as portas da tenda àqueles em quem Ele mais se revela: os pobres, os excluídos, os perseguidos, os refugiados, os frágeis, as crianças... Será desejável que a nossa acrescida sensibilidade natalícia encontre aí as suas raízes para que possa florescer ao longo do ano.
Sensíveis ao mistério de um Deus que se faz menino e, por isso, um de nós (é isto que, em cada Natal, celebramos), deixemo-lo acampar entre nós, entrar na nossa tenda e dilatar-nos coração, tornando-o mais divino e, por isso mesmo, mais humano.
Autor: P. João Alberto Correia