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E a pobreza?...

Quando em 2011 comecei a desenhar o conceito de visão estratégica e integrada para a cidade, era claro para mim que qualquer órgão que viesse a ser formado para conduzir os destinos de Braga, após as eleições autárquicas, teria de olhar para todos os stakeholders relevantes e não apenas para uma parte, essencialmente económica, como veio a acontecer. Discordei, na altura, porque era para mim relevante e estratégico que não poderíamos olhar para a sustentabilidade económica e financeira como pilar agregador da boa vontade das partes, esquecendo as restantes componentes que, no seu conjunto, determinam a Qualidade de Vida dos seus cidadãos e a viabilidade do território no médio e longo prazo. Falamos da Sustentabilidade Social, Ambiental e Infraestrutural e em particular daquela que consagra o primado humano como centro das atenções da ação política de um município. Os últimos dados oficiais, a começar por aqueles que esta quinta-feira foram divulgados pela Segurança Social (aumentou em 17 por cento o numero de pessoas a recorrer ao Rendimento Social de Inserção na região), dão conta de um aumento do número de casos de fome em particular e da pobreza em geral, contrastando com os indicadores económicos que o Conselho Estratégico e a Câmara de Braga divulgaram recentemente colocando a cidade como a terceira economia do país, com grande dinâmica nas exportações e na criação de emprego e na redução das taxas de desemprego. Tirando os efeitos da migração interna e da exclusão social a que estão votados uma boa parte dos pobres que se mantém nessa condição há mais de quatro anos, o indicador económico que mais sobressai é que aumentou a desigualdade. Os últimos dados publicados pelo organismo estatístico da União Europeia (Eurostat), há mais de um milhão de portugueses que trabalham e que vivem na pobreza juntando-se a mais milhão e meio, cerca de 25 por cento de portugueses, que não trabalham ou vivem de pensões e reformas baixas. Como se chega aqui e porque não se consegue inverter este indicador em Braga que é uma mancha civilizacional no comportamento coletivo de uma sociedade que diz querer ser cosmopolita, apostada no conhecimento e na vanguarda da inovação? – Parece-me, que salvo as razões habituais e que fazem parte da cartilha institucional, houve e há falta de visão estratégica e uma profunda divisão entre os seus protagonistas. Braga teve uma oportunidade de assumir a liderança de um processo inovador de governação, mas perdeu-se com a ilusão criada por uma intervenção defeituosa no seio do Conselho Estratégico que deveria ter funcionado como motor da sustentabilidade e não como um campo de batalha de interesses, por vezes antagónicos. Este órgão deve e merece ser revitalizado, mas com uma perspetiva de intervenção que una e não divida, que alargue o seu campo de intervenção e promova a inclusão e não apenas a inovação económica e que seja, se não for pedir muito, um motor que funcione. Como dizia o malogrado ex-vereador da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, referindo-se à vivência cultural da cidade,: “A “Cidade líquida” é uma cidade onde a cultura e a animação ajudam a derrubar fronteiras e barreiras. É uma cidade onde tudo pode acontecer. É a cidade da irreverência e do desassossego. A cultura expande-se e derrama-se sobre os territórios e a população, dissolvendo preconceitos e lugares-comuns. Toda a gente é convocada para a grande aventura da cidade. Se para a Cultura isto é possível, também o é quando colocamos o ser humano mais fragilizado no centro das nossas atenções e começamos a derrubar fronteiras e a olhar para o território como um ser vivo que tem órgãos próprios e que se alimenta da mobilidade social e funcional, procurando equilíbrio na gestão e no acesso aos recursos próprios. Os alertas que tem chegado nos últimos meses dão conta de uma disparidade de efeitos sobre os cidadãos que preocupam quem cuida como é o caso das IPPS e das diferentes igrejas e de quem decide apostado em ver viabilizadas políticas de inclusão. Não se pense que o problema é apenas dos agentes políticos, económicos e académicos. Assiste-se a uma cisão que ganha raízes entre instituições que perseguem o mesmo objeto (solidariedade social), capazes de uma “concorrência vergonhosa” que provoca desperdício de recursos e um aumento de custos que deveria merecer a atenção da tutela. Se do lado dos economistas é importante esta abertura aos protagonistas da coesão social e da viabilidade ambiental, é importante, também que os responsáveis destas instituições de cariz social sejam responsáveis e se sentem à mesma para melhorarem a gestão dos recursos comuns em prol do ser humano, abandonando de vez “uma vergonhosa concorrência” na solidariedade social.
Autor:
DM

DM

29 outubro 2018