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Dúvidas em quem votar, até à boca das urnas

No próximo dia 6 de outubro, levarei as minhas dúvidas em quem votar até à boca das urnas, pelo facto de os partidos políticos não me terem esclarecido quanto à sua posição sobre algumas questões fraturantes do nosso tempo, campo onde ainda se notam algumas diferenças entre esquerda e direita, uma nomenclatura, todavia, que é cada vez mais um arcaísmo político-ideológico. Estou a referir-me, por exemplo, à questão da eutanásia, ou morte provocada, defendida por certos setores da sociedade portuguesa, e eu não gostaria de me apresentar na boca das urnas sem saber quais os partidos que são a favor ou contra uma prática que já foi legalizada em alguns países. No que diz respeito a este problema, sei que houve políticos, instituições, intelectuais e jornalistas que, a contrario, se pronunciaram a favor do incremento e melhoria dos cuidados paliativos que se prestam em Portugal, como método eticamente mais defensável de se lidar com a morte, mas não ouvi nenhum candidato falar do assunto – que me perdoem se falaram. De igual forma, não vi debatida na comunicação social, pelo menos até ao momento em que escrevo, a questão candente da ideologia de género, sistema de pensamento que começou a ser propugnado por Simone de Beauvoir (1908/1986), mulher do intelectual francês Jean Paul Sartre (1905/1980), quando disse que “não se nasce mulher, mas chega-se a sê-lo”, em O Segundo Sexo, ensaio publicado em 1949. Esta teoria, juntamente com outras teses do mesmo jaez, esteve na origem de proselitismos assexuais, homossexuais, pansexuais, transexuais, e outros, agrupados e conhecidos pela sigla LGBT+, e eu gostava de saber o que pensam os políticos que me vão representar na Assembleia da República sobre um crescente transformismo libidinal que me tem causado grande confusão e perplexidade. A mudança de género foi admitida no ordenamento jurídico português (2011), mas sem que tivesse havido um prévio e correto esclarecimento da opinião pública – facto que deixou imensas pessoas sem juízo formado sobre esta polémica lei –, e sem que tivesse sido explicado o verdadeiro sentido de expressões como identidade sexual, igualdade de género e ideologia de género. Ora, as leis, quaisquer que sejam, têm de ser percebidas pelos cidadãos, porque não é o homem para a lei, mas a lei para o homem. Por outro lado, o combate contra a grave crise demográfica – considerados os persistentes saldos migratórios e fisiológicos negativos verificados nos últimos anos em Portugal, que já deram origem à expressão “inverno demográfico” –, que eu saiba (e aqui retrato-me por não poder acompanhar todas as ações de campanha ou ler todos os programas eleitorais), também me parece que não foi tido nem achado como medida prioritária de ação política nos tempos de antena ou nos debates da televisão. Portugal está a perder população, particularmente num interior cada vez mais desertificado, e eu não ouvi discursos de séria e ponderada preocupação sobre este momentoso problema, talvez o mais grave do país. Não nos podemos esquecer de que as pessoas são, em sim mesmas, o capital mais importante e mais necessário a todo o desenvolvimento económico-social. Pelo que passo a perguntar: como pensam os políticos da nova legislatura reverter situação tão preocupante para o futuro de Portugal? Incrementar políticas neonatais; desagravar fiscalmente as famílias, particularmente as mais numerosas; aumentar a quantidade e a qualidade dos serviços públicos na província, como método de fixação de pessoas e empresas; desincentivar a trágica recorrência ao aborto (dizem-me que, numa década, já foram praticados 170.000 abortos legais em Portugal, quase tantos como a população de Braga); fomentar a formação de jovens famílias? Gostava de votar num partido que me apresentasse ideias claras quanto à forma de atacar frontalmente os dramáticos problemas que o país enfrenta. Podia continuar a desfiar lamentos, por não saber como se posicionam os diferentes partidos sobre as problemáticas jurídicas das “barrigas de aluguer”; sobre as consequências sanitárias de uma eventual liberalização do consumo de estupefacientes e psicotrópicos (haxixe, heroína, cocaína); sobre programas de prevenção da população escolar quanto à toxicodependência e aos comportamentos de risco – nomeadamente a prevenção da gravidez indesejada; e sobre a criação das regiões, já que as temos, e bem, na Madeira e nos Açores. Por outro lado, também não ouvi qualquer partido prometer um combate sem tréguas contra a invasão dos anglicismos, que estão a colonizar a nossa língua; contra a profissionalização da política (uma porta larga para o tráfico de influências); e contra a “indústria do fogo”, que está a destruir a floresta em Portugal – note-se que, ao fim de 700 anos, perdemos o majestoso e belo Pinhal de Leiria! Concluo que os políticos, ou os candidatos a sê-lo, em campanha, não gostam de lidar com temas fraturantes e incómodos e preferem socorrer-se de assuntos clássicos e genéricos, como saúde, justiça, finanças, economia, salários e pensões, ecologia versus poluição e alterações climáticas, desporto, transportes, corrupção… Mas aí, nessa sintonia político-pragmática, parecem-me todos iguais e eu não acredito em tanta igualdade, porque a democracia é o verdadeiro parlamento da livre opinião, e a opinião tem sempre a marca da ideologia. Mas esta uniformização do discurso não ficará a dever-se ao facto de os políticos procurarem agradar a todos, e temerem desagradar a alguns? Eu, porém – não sei se acontece o mesmo com outros leitores –, não gosto de subterfúgios nem de atitudes tíbias, que, no seu hibridismo ideológico, dão para tudo e para nada. Gosto do gesto de coragem, gosto do rosto da verdade, gosto do político que não teme a contestação, para o bem e para o mal. Tudo, porém, me parece muito turvo em Portugal. A 6 de outubro, apresentar-me-ei diante das urnas, como um bom cidadão e como um bom democrata. Mas, em quem votar, se não me vi esclarecido nas questões que me preocupam?
Autor: Fernando Pinheiro
DM

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4 outubro 2019