Em situação muito difícil, foi nomeado director da Casa Sacerdotal São Martinho de Dume, da diocese de Braga. Com ele colaborei estreitamente como presidente do IDAC (Instituto Diocesano de Apoio ao Clero). Outro momento forte foi no Simpósio Nacional do Clero, em Fátima, pedindo-me para fazer o resumo do que seriam as conclusões finais desse magno encontro do clero. Pude comprovar a sua lúcida e subtil inteligência, na maneira como sabia dizer em poucas palavras o essencial do que se tinha dito e afirmado nas várias palestras.
Sabendo que meus dois tios sacerdotes, cónego António e padre Júlio Vaz, eram de idade avançada e quase não saíam de casa, foi espontaneamente visitá-los, sem sequer me ter dito que iria a nossa casa para estar com eles. Mais: na véspera de ir tomar posse como bispo de Aveiro, numa tarde chuvosa, encontrou tempo e maneira de passar novamente por casa para deles se despedir. Sempre que nos encontrávamos, perguntava-me por eles. Escreveu-me quando do seu falecimento, apresentando os seus sentimentos e oferecendo o consolo das suas palavras e orações.
Um episódio de que tomei conhecimento há pouco mais de 3 meses refere-se a uma ida dele à inauguração e bênção das novas instalações do banco Carregosa, no Porto. Foi para a sua presidente do Conselho de Administração uma gratíssima surpresa ouvir de Dom António que a Diocese estava muito agradecida à Casa Carregosa pela preciosa ajuda que deu na altura da República, na salvaguarda de alguns dos mais valiosos bens da Diocese. Ela não sabia que se tinha dado tal colaboração entre os seus antepassados e a Diocese, pelo que ficou gratíssima com tamanha revelação e prova de estima para com a instituição que lidera.
No dia 29 de Agosto, dia do Martírio de São João Baptista, ocorreu o seu 69.º aniversário. Pelas 19 horas, visitava eu uma doente no lugar de Rio de Moinhos, em Esposende, que há 55 anos jaz paraplégica numa cama, sem sequer se poder levantar para se sentar num sofá. Falou-me do aniversário de Dom António e que tinha tentado ligar-lhe, mas ele não tinha atendido. Liguei eu, e logo ouvi aquela voz terna e doce, agradecendo os parabéns e dizendo que se lembrava bem da Leonor, de quando tinha ido fazer visita pastoral às Marinhas. E que lhe devia uma visita. Pu-lo em contacto com ela e falaram como dois amigos. Antes do Papa Francisco, já havia quem sabia ir às periferias existenciais da doença e da marginalização por ela provocada. Falei-lhe de meu saudoso pai fazia anos nesse dia e por isso se chamava João Baptista. Despedimo-nos com fraternal afecto.
Em 14 de Julho, tinha-o encontrado na concelebração na Sé e no jantar dos 50 anos de sacerdócio de dom Jorge. Perguntou por meus irmãos e agradeceu o jornal "A Voz de Melgaço" que eu enviava para o Paço Episcopal. Eu disse-lhe que ele não podia ter tempo para o ler. Mas ele, sem ser por mera cortesia, disse-me «leio, leio e com todo o gosto».
Na antevéspera da morte reuniu em Fátima mais de 80 mil diocesanos e falou-lhes da Mãe do Céu como só um filho único, totalmente devotado à mãe até à sua morte, era capaz de falar.
A ele aplico as palavras de São João Crisóstomo, na homilia dirigida aos fiéis antes de partir para o exílio: «...sois a minha luz, uma luz mais amável que a luz do dia. Que brilho pode haver para mim mais agradável que a vossa caridade? … a vossa caridade prepara-me uma coroa para a vida futura. Seja o que Deus quiser. Se ele quer que eu permaneça aqui, fico-lhe agradecido. Se me chama para qualquer outro lado, sempre Lhe darei graças». Chamou-o para o Céu, que bem o merecia, e a nós guarda-nos com sincero afecto no seu coração de ouro.
Autor: Carlos Nuno Vaz