Opaís começa a acordar das férias de verão. As contestações laborais, eu diria sindicais, aparecem com alguma violência porque, como sabemos, é preciso fazer lóbi, isto é, é preciso influenciar o próximo Orçamento do Estado.
É normal e democrático que assim seja. Mas entre tantas reivindicações há alguns queixumes que ultrapassam a norma das reivindicações ditas clássicas, isto é, são queixumes e não reivindicações: estão neste caso a reconstrução de casas queimadas pelos incêndios e o transporte ferroviário.
Quanto ao primeiro, parece que não é apenas fumo o que se diz; também começamos a crer que há fogo naquele fumo: parece que as prioridades para a reconstrução privilegiaram uns em detrimento de outros; a eterna cunha, o favorzinho ao amigo ou parente, deixou, segundo dizem, por reparar casas de primeira habitação por casas de segunda morada.
As notícias até dizem que há reconstruções de casas que estavam desabitadas há muito e que agora, de cara nova, vão entrar no mercado habitacional. Se assim é, razão tem o sr. Presidente Marcelo para querer ver tudo esclarecidinho até ao fim do ano. Não sei se é assim se não, mas se é, estamos perante parcialidades que gritam por reposição e justiça. Justiça moral não chega, entenda-se.
O outro reparo é este: o transporte ferroviário enche-nos de vergonha por se ter degradado tanto e principalmente por termos de alugar carruagens ao país vizinho. Que pobreza de país e que miopia política.
Não queremos acreditar que sejam apenas as cativações de Mário Centeno quem provoca este caos; se assim é, não cabem todas as culpas ao ministro das Finanças, cabem a todo o Governo e principalmente ao primeiro-ministro que, para o bem e para o mal, é ele o responsável pelas políticas governamentais.
A culpa, quero crer, não depende da penúria orçamental, porque segundo o sr. primeiro-ministro até houve um grande investimento na ferrovia. As coisas não se mudam por escolha de governantes, as coisas mudam-se mudando as opções políticas. Já sou do tempo em que se escolheu a rede viária como prioridade primeira e, desde aí, o comboio passou a ser o parente velho que se arrasta de muletas, de andarillho até que ele aguente periclitantemente.
Se no caso das queixas dos incêndios há alegadamente compadrios a averiguar, no caso do transporte ferroviário a investigação não precisa de procurar os infratores: são os governos anteriores e também o Governo presente quem deve responder por este estado de coisas. Todos eles são réus em todo este processo.
Uma coisa é certa, se os senhores não têm vergonha de ir remendar este buraco ferroviário, nós temos, temos vergonha do estado a que isto chegou, temos vergonha desta penúria e temos vergonha de termos os governantes que tivemos e temos. É preciso chegar ao ponto de andarmos com as calças rotas?
Não adianta vir-nos dizer, à pressa, que estamos a investir na ferrovia. É sobretudo que esconde a roupa velha. Façam um investimento global porque investimentos parcelares ou avulsos fazem-nos sempre lembrar os remendeiros das estradas: tapam buracos e deixam a via por consertar.
Fica por referenciar a guerra com os professores e fica porque aquilo virou doença crónica que, como crónica o governo não sabe sarar.
Autor: Paulo Fafe
Dois reparos
DM
17 setembro 2018