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Ditaduras

1. Uso propositadamente o vocábulo no plural. Estou persuadido da existência não de uma mas de diversas ditaduras, embora nem sempre disso tenhamos consciência. Vive-se em ditadura quando se não tem liberdade e não há liberdade quando nos submetemos a uma ou mais dependências. Quando existem pessoas ou coisas sem as quais não podemos passar. Mas isso, dirão, são dependências, não ditaduras. É uma forma habilidosa de dar a volta à situação e de a suavizar. Mas, se pensarmos bem, uma dependência não deixa de ser uma ditadura. Penso assim. 2. Pessoas defensoras das mais amplas liberdades e vêm a terreiro como lutadoras contra a ditadura estão, na prática, sujeitas a uma ditadura a que chamam disciplina partidária. Indivíduos há, no mundo da política e não só, dependentes de como pensam e do que ditam os líderes. Não são livres de agir e de decidir conforme a própria consciência, mas têm de seguir as orientações do chefe e é em função dessas ordens que levantam ou não o braço, aprovam ou rejeitam tal decisão, se abstêm de emitir um parecer. Porque o chefe manda, as pessoas abdicam da própria capacidade de pensar. Não é só na Igreja que há dogmas. 3. Há ambientes de trabalho que são autênticas ditaduras. A dependência do ordenado gera a ditadura do medo. Há pessoas que bem gostariam de emitir uma opinião e de discordarem do chefe, mas se o fazem sujeitam-se a consequências desagradáveis. Este género de ditadura produziu a geração dos lambe-botas e dos aduladores profissionais. Há ambientes de trabalho onde seres humanos se sujeitam a serem tratados como máquinas. Têm tudo cronometrado. Todos os seus passos são controlados. Como necessitam do emprego e do dinheiro que recebem, sujeitam-se. 4. Uma grande ditadura é a da toxicodependência. Habituadas a consumirem determinadas substâncias, as pessoas sujeitam-se a tudo para as conseguirem. Esquecem-se, se for caso disso, da própria dignidade. 5. São ditaduras o respeito humano; o parece mal. Por vergonha dos comentários dos outros há pessoas que se acobardam. Que assumem publicamente comportamentos de que no íntimo discordam. Que aplaudem quando gostavam de censurar. 6. Uma forte ditadura é a da moda. Pessoas há que se movem empurradas pelos interesses da sociedade de consumo. Certos indivíduos decidem que as pessoas hão-de vestir de determinada maneira e há quem se lhes sujeite. Acriticamente. Porque parece mal discordar do ditador. Quem me conhece sabe que procuro não ofender seja quem for. Mas acho ridículo o uso das calças rotas. Mas como é moda, e a moda é que manda… Já repararam na ditadura que, nos casamentos, os fotógrafos exercem sobre os noivos? 7. Porque certa Comunicação Social ditou que é moderno ser de esquerda há pessoas que se coíbem de manifestar em público as suas convicções. Daí a necessidade de, em certos casos, se proceder ao voto secreto e não à votação de braço no ar. Porque certas minorias influentes ditaram que a liberdade não tem limites, há pessoas constituídas em autoridade que se abstêm de tomar posição, de afirmar a defesa de princípios que são de manter e permitem a bandalheira que por aí anda. 8. É moda, em alguns ambientes, apresentar-se como ateu ou agnóstico. Para não destoarem e darem a ideia de que são prá frentex pessoas há que se inibem de, publicamente, revelarem a fé que no íntimo professam. E deixam de rezar em público. E deixam de exibir sinais religiosos. 9. Se pensarmos bem verificamos haver realmente um conjunto de ditaduras a que, inadvertidamente, – também nos acomodamos ao mal! – nos submetemos. Porque nos falta a coragem suficiente para remarmos contra a maré e de termos receio de ser diferentes. A ditadura do medo tem muito poder. Parafraseando parte do hino da Mocidade Portuguesa, cá vamos, cantando e rindo, levados, levados sim por aqueles que, dando a ideia de que nos servem, na realidade não deixam de nos explorar. Ser homem é ser livre. Quem o é realmente? Muitos dos que se afirmam paladinos da liberdade não vivem ainda acorrentados ao Maio Parisiense de 68?
Autor: Silva Araújo
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11 outubro 2018