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Direito à morte voluntária?

Independentemente do credo, da ideologia ou da corrente política ou filosófica que cada um de nós perfilhe (ou até nem perfilhe), a questão da eutanásia ou da morte assistida coloca à nossa consciência individual e à sociedade em geral o problema de saber se, perante a dor terminal própria ou alheia, é licito pôr termo a essa vida dolorosa, em homenagem à vontade absoluta e íntima de cada pessoa sobre a sua própria sobrevivência.

Numa perspectiva jurídica, a análise do conjunto de direitos de personalidade admitidos pelo direito natural e pela generalidade do direito dos povos ao longo da sua história permite-nos concluir, com toda a evidência, que o direito à vida se destaca entre todos como o primeiro e essencial, no qual todos os outros estão radicados. Mas não se lobriga nenhum que, com base numa atitude de total liberdade, atribua ao próprio indivíduo a faculdade de eliminar a sua vida ou permitir que outrem, a seu mando, a elimine.

Sabendo-se, como se sabe, que a justiça e o direito se fundam nos ideais e valores que subjazem à sociedade e que regulam o relacionamento entre os indivíduos e que a vida humana só tem sentido quando em relação societária, há a consciência de que a vida de cada ser humano é um bem insusceptível de ser apropriado: ninguém pode ser dono da vida alheia e nem ao próprio, com a dignidade e liberdade que lhe são concedidas para viver a sua existência até final, é comummente aceite o supremo gesto de lhe pôr termo. Como diz o povo, na sua imensa sabedoria, “a vida não nos pertence.”

Assim sendo, quer me parecer que por mais tolerante e liberal que seja a visão de muitos, nada nem ninguém pode arrogar-se a pretensão de eliminar os limites com que a sociedade, através do direito, quis proteger-se a ela própria e a cada um dos seus elementos.

Diferente desta questão, mas com ela conexa, está uma outra, essa sim de eminente actualidade e humanidade, que é a da obrigação dos Estados e das comunidades de proporcionar aos homens, a todos os homens, a maior dignidade no seu momento terminal. E isso obriga a debater com a maior urgência a questão dos cuidados paliativos a colocar à disposição dos cidadãos como um verdadeiro direito de personalidade.
Com a evolução dos conhecimentos científicos e médicos que o mundo conheceu e vem conhecendo, é absolutamente inaceitável que as pessoas com doenças terminais ou muito graves continuem a morrer no meio de dores insuportáveis e de situações de extrema angústia, quando poderiam e deveriam ter à sua disposição cuidados que lhes eliminassem ou minorassem o sofrimento.

Do que acabo de dizer e do muito mais que outros vêm opinando com maior profundidade e conhecimento de causa, a minha resposta à questão que serve de título à presente crónica não pode deixar de ser necessariamente negativa. E penso até que as sociedades que, em nome da tolerância, da liberdade total ou do hedonismo típicos de grupos ditos progressistas, vão abrindo os seus regimes jurídicos à legalização da eutanásia ou da morte assistida estão, sem disso terem consciência, a trilhar os caminhos da sua auto-destruição.


Autor: António Brochado Pedras
DM

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3 fevereiro 2017