twitter

Dezembro, mês paradoxal

No nosso calendário (chamado gregoriano, porque adotado pelo Papa Gregório XIII, em 1582), dezembro é o décimo segundo mês do ano, mas deve o seu nome à palavra latina decem (dez), por ser o décimo mês do calendário romano, implantado, segundo a lenda, por Rómulo, fundador de Roma, à volta de 753 a. C. Trata-se de um calendário lunar que começa no equinócio da primavera (Março) e é composto por dez meses de 30 ou 31 dias cada, num total de 304 (os restantes 61 coincidiam com o inverno e não integravam o calendário).

Primeiro mês do ano litúrgico – começa pelos últimos dias de novembro ou pelos primeiros de dezembro – e último do ano civil, dezembro bem pode ser considerado um mês paradoxal, se entendermos o paradoxo como uma associação de afirmações aparentemente contraditórias. Até o provérbio “dezembro ou seca as fontes ou levanta as pontes” reforça esta ideia. De facto, dezembro oscila entre a ausência de chuva (seca as fontes) e as grandes chuvadas (levanta, isto é, destrói as pontes). Mas talvez não haja nada mais paradoxal do que o mistério da Encarnação que, a 25 de dezembro, convencionalmente celebramos: Deus assume a natureza humana e, na fraqueza e fragilidade de um menino cheio de encanto, revela a grandeza do seu poder e amor. Não é paradoxal, mas é sugestivo que, chorada a morte em novembro, se celebre festivamente a vida, em dezembro, dado ser o Natal a maior celebração da vida, à escala planetária.

Os paradoxos de dezembro, contudo, não se ficam por aqui: é tempo de parar (férias de Natal) e simultaneamente de preparar o recomeço da atividade; é o mês mais escuro (o dia 21 ou 22 é o mais pequeno do ano, porque o sol se posiciona mais a sul [solstício de inverno, no hemisfério norte]) e, a outro nível, o mais luminoso (iluminações de Natal); mês de clima frio (“dezembro quer lenha na lareira e vinho a andar na cafeteira”) e das mais afetuosas e calorosas relações (é por esta altura que as famílias mais se encontram e convivem); mês da fartura (o sinal mais eloquente está nas mesas de Natal) e também o da penúria (pouco se produz em dezembro); o mês em que se acentua o contraste entre quem muito tem e gasta desmesuradamente e quem tem pouco e nem o essencial pode adquirir; um dos meses em que morre mais gente, mas também uma das épocas do ano em que mais gente nasce.

As atuais circunstâncias de pandemia encarregam-se de o tornar ainda mais paradoxal: mês da presença, dos afetos e do convívio a ter que ser vivido com máscara e distanciamento social. E também isto é paradoxal! Por ser assim, nenhum outro mês se presta a ser tão apropriadamente símbolo do caráter paradoxal da nossa vida.

Simultaneamente, dezembro é mês para avaliar, agradecer e celebrar. Por esta ordem, porque a avaliação e o agradecimento é que legitimam a celebração. É em dezembro que se faz o balanço, no sentido de avaliar o ano que termina (parece passar rápido, mas é muito o que, durante ele, aconteceu), e se prepara o novo ano, sempre marcado pela imprevisibilidade. Pelo meio, celebra-se a vida, de que o nascimento de Jesus é o sinal mais forte e eloquente.

Avalia quem se sente responsável pelo passado, se empenha no presente e não desistiu do futuro. É dessa avaliação que surgem propósitos e orientações capazes de transformar a vida. Neste contexto, a gratidão afirma-se como a nobre virtude de quem reconhece que, se tudo é dom e graça, só ela nos torna merecedores de continuar a viver.

Não faria sentido dispor-se a preparar o novo ano, assumindo a responsabilidade de fazer mais e melhor, sem antes se avaliar e agradecer o anterior. Pelo meio, a celebração recoloca-nos no caminho da vida, dado que as festas tem o condão de recriar o gosto e a vontade de viver, mesmo se a vida é tão paradoxal quanto dezembro, o mês em que estamos.

*Professor na Faculdade de Teologia – Braga e Pároco de Prado (Santa Maria)


Autor: P. João Alberto Correia
DM

DM

7 dezembro 2020