É do confronto firme, civilizado e esclarecido de pontos de vista que nascem, frequentemente, entendimentos úteis para resolver problemas gerais. Os debates são, por isso, normais e desejáveis, a não ser quando, como demasiadas vezes sucede, degeneram, tornando-se apenas assaz aviltantes. É o que acontece um pouco por todo o lado e também é o que tem vindo a suceder em França. E a aproximação das eleições presidenciais, que terão a primeira e a segunda volta nos dias 10 e 24 de Abril do próximo ano anuncia uma degradação do nível da discussão política.
A vontade de que as confrontações sejam profícuas e não grosseiras tornou necessária uma declaração, que cem personalidades francesas subscreveram a convite do diário La Croix. O documento publicado no dia 25 de Setembro na revista de fim-de-semana do jornal apresenta dez regras simples e muito concretas que, desejavelmente, devem caracterizar as contendas. Estão longe de dizerem apenas respeito à realidade francesa. Elas bem podiam vigorar quotidianamente em todo o lado.
Para quem não acompanha a vida política, religiosa ou cultural francesa a lista de subscritores pode ser irrelevante, mas ela inclui pessoas de sensibilidades muito diversas. Há as da política: os ex-primeiros ministros Bernard Cazeneuve, Édouard Philippe e Jean-Pierre Raffarin, a ex-ministra Najat Vallaud-Belkacem e o actual ministro da Educação Jean-Michel Blanquer; do jornalismo: Laure Adler e Dominique Quinio (antiga directora de La Croix); da religião: o teólogo muçulmano Mohamed Bajrafil, a dominicana e médica prisional Anne Lécu; o bispo François Touvet (presidente do conselho para a comunicação da Conferência Episcopal); da filosofia: Olivier Abel, Véronique Albanel (também presidente do Serviço Jesuíta dos Refugiados de França); Rémi Brague, André Comte-Sponville, Chantal Delsol e Marcel Gauchet; da sociologia: Jean-Pierre Le Goff e Dominique Schnapper; da psiquiatria: Christophe André; da economia: o jesuíta Gaël Giraud; da música: a cantora Angélique Kidjo e a pianista Anne Queffélec; e do desporto: o ex-jogador de futebol Lilian Thuram.
O documento tem vindo a ser subscrito por milhares de pessoas e o certo é que, em França ou em qualquer outro país, quem quer que seja que, no dia-a-dia, se pronuncie sobre qualquer tema da actualidade, seja em que fórum for – no café, nas redes sociais, nos jornais, na rádio ou na televisão – deveria comprometer-se a evitar o que degrada a convivência cívica, impede um bom debate e dificulta o bem comum.
Quem ler o texto “Os nossos dez compromissos para este ano eleitoral” bem poderá, portanto, verificar que os compromissos merecem ser de todos e para todos os dias. Se estes princípios básicos forem seguidos os benefícios serão óbvios:
“1. Lutar contra as informações falsas. Abster-se de retransmitir aquelas cuja origem é desconhecida.
2. Não atacar a vida privada, preservar a intimidade, incluindo a de pessoas públicas.
3. Não insultar, difamar, humilhar, denegrir, assediar.
4. Recusar-se a transformar as redes sociais em tribunais populares. Não ceder à denúncia e à indignação sistemáticas, que não podem substituir o pensamento argumentado.
5. Ter cuidado para não distorcer as afirmações e não as tirar do contexto.
6. Não usar o anonimato ou os pseudónimos para contornar as regras de civilidade ou para enviesar o debate.
7. Não arrumar os interlocutores em identidades fixas, de origem, de género, de idade, de religião, de classe social.
8. Ouvir o ponto de vista do outro até o fim, sem dramatizar as discordâncias.
9. Aceitar a complexidade, afirmar as nuances, para não se limitar a confrontos simplistas.
10. Ouvir a voz dos mais fracos e, mais amplamente, aquela que se expressa menos nos media ou nas redes sociais.”
Ter um ecossistema comunicacional menos furibundo pode ser um desejo piedoso, mas não deixa de ser, também, de facto, um anseio necessário.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
Dez regras para qualquer debate
DM
17 outubro 2021