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Deslumbramento

Voltei ao Douro. Uma vez mais. Nunca o vi tão lindo!

Já tive oportunidade de me deslumbrar com um Douro verde de início de verão, como aconteceu há meses, no troço Vila Real/Lamego, ao percorrer a mítica Estrada Nacional 2, entre Chaves e Faro. Inesquecível experiência essa, atravessado que foi Portugal por dentro, sem autoestradas, 738,5 km sobre a sua mágica coluna vertebral. Um Douro verde, sim, esse que apanhei no mês de Junho, pujante de promessas de colheita farta à espera do outono.

Já tive oportunidade de me deslumbrar com um Douro ao rubro, vermelho, qual rubi gigante, um Douro pronto para retribuir generosamente, em preciosos cachos de uvas, os mimos recebidos num ano de labor.

O Douro verde e o Douro vermelho! Dois quadros de inefável beleza, guardados nas máquinas fotográficas, acima de tudo guardados na memória.

Mas o último Douro por onde andei, Outubro ainda a meio, excedeu as medidas do meu deslumbramento! Foi um Douro de mil cores, um Douro mescla de amarelos e verdes – muitos amarelos, não um amarelo só, muitos verdes, não um verde só – com vermelhos à mistura que não são todos do mesmo vermelho mas de muitos vermelhos, com ocres e castanhos ainda suaves, dum claro-escuro ainda viçoso, e com cachos pendurados, roxos ou translúcidos, esquecidos na última vindima, intencionalmente ou não. Eu nunca vi um Douro tão lindo!

Em cada contemplação nos vários miradouros, desses cujo cenário envolvente suspende a respiração, dei comigo a fazer comparações. Comparei certamente o incomparável. Talvez porque, incansável viajante que sou à procura das belezas do mundo, impunha-se-me, naqueles momentos esplendorosos no Alto Douro português, a consoladora realidade de estar no meu país, onde me sentia tão encantada como, ou mais encantada que em qualquer outro sítio dos cinco continentes do planeta, aonde afortunadamente já fui.

Veio-me à lembrança a imagem dos fiordes da Noruega. Lugares de sonho, indiscutivelmente! Impossível eleger o fiorde mais belo! De repente, pensei em qual seria a sensação de um norueguês, posto diante daquele Douro que eu tinha diante de mim. Creio poder dizer, com isenção, que o meu Douro saiu a ganhar desta comparação.

Creio poder adivinhar que o dito viajante nórdico, frente àquele meu Douro pintado de mil cores, se sentiria ainda mais extasiado que eu, frente aos seus fiordes silenciosos, quietos, lindos também por isso. É que este meu Douro faz-se de muitas coisas, guarda dentro de si realidades diversas, num conjunto geral insusceptível de caber em imagens.

Esta paisagem portuguesa tem alma, tem vida, tem vozes, tem trabalho e suor, tem quintas cultivadas até muito lá em cima, tem casas com chaminés que fumegam, tem gente que planta, cuida e colhe, tem um fruto que se apanha e se prova, tem o prenúncio de uma vindima que há-de ser néctar dos melhores entre os melhores, e tem o rio, esse espelho de água mágico que corre lá em baixo, rectilíneo ou sinuoso, mítica estrada do vinho do Porto do nosso orgulho.

Deixei a Noruega e fiz outras comparações. Com lugares de cultivo, para variar. Pensei nas plantações de chá do Sri Lanka ou nos arrozais do Vietname e da China. Pensei nas fazendas de Angola e do Pantanal brasileiro, ou na luxuriante vegetação de S. Tomé e Príncipe. Este Douro, tal como o vi em Outubro, continuava a merecer medalha de ouro.

Contudo, a mais-valia da gente e do trabalho por colheitas fartas deixava agora de ser argumento exclusivo a favor desse 1.º lugar (na China, o arroz é pão, como sabemos, e em S. Tomé, o que a terra produz chega e sobra para que os meninos de lá, muitos deles esfarrapados e descalços, não tenham fome e tenham energia). Então, concluí, a preciosidade só nossa que faz a diferença é mesmo aquele rio Douro que mais ninguém tem.

Fiquei-me por ali, por observar somente, por gravar somente, por sentir somente, somente decidida a dizer aos meus familiares, aos meus amigos, a toda a gente, que a primeira região demarcada do mundo, o nosso Douro vinhateiro, é um dos mais belos lugares da terra. Um lugar que vale a pena percorrer devagar, com mil paragens do carro para sair e ver, porque, desfeita cada curva da estrada, é mais lindo ali que na curva anterior, mais perfeito o anfiteatro dos socalcos, com as linhas dos vinhedos traçadas seguramente a régua e esquadro.

Este texto mais não é do que essa partilha de encantamento, no mero intuito de contagiar do mesmo os meus leitores, para que não queiram perder cenários assim.

O inverno está aí e o Douro prepara-se para dormir. Não será, pois, tempo de o acordar. Mas esperemos pela primavera e pelo despontar do Douro verde, que há-de patentear-se no verão; esperemos pelo outono que põe o Douro de todo maduro, numa explosão rubra que parece um braseiro; esperemos por um tempo especial como o de Outubro passado, que pintou no Douro a mais fantástica tela de cambiantes coloridos alguma vez contemplada pelos meus olhos, viajantes sempre à descoberta das maravilhas do mundo.

(A autora não respeita o acordo ortográfico)


Autor: Maria Luísa Lamela
DM

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16 novembro 2018