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Desconfiar dos media

Ojornalismo português proporciona, não raras vezes e quase sempre involuntariamente, situações de confrangedora comicidade. Um momento engraçado foi oferecido pela TVI 24 num noticiário televisivo a meio da tarde de sexta-feira passada. De sentinela permanente à casa de Bruno de Carvalho, o ex-presidente do Sporting Clube de Portugal agora acusado de ter cometido quase cem crimes, a jornalista da estação televisiva faz em directo um ponto da situação. Conta que Bruno de Carvalho lhe fez sinal para se aproximar. Ela e os colegas aproximaram-se e ele pediu para se afastarem. Pedir para vir para pedir para ir, portanto. E a jornalista garantia que iam, ainda que apenas um pouco, para que se pudesse dizer que tinham ido, sem que o fossem. As transmissões televisivas exibindo uma turba de jornalistas que se atropelam à cata de arguidos que entram e saem de tribunais ou dos sítios onde moram ou trabalham oferecem um dos espectáculos mais eloquentemente paródicos do que é o exercício do jornalismo: muita agitação inútil, nenhuma informação útil. Dois ou três tagarelas sentados nos estúdios encarregam-se de prolongar mais a vacuidade do que o frenesi. O breve episódio ocorreu poucos dias depois de ter sido apresentada uma declaração solene “Por um pacto internacional sobre a informação e a democracia”, saudada por vários presidentes da república (da Costa Rica, da França, do Senegal e da Tunísia) e primeiros-ministros (do Canadá, do Líbano e da Noruega) que, num texto divulgado pelo diário Le Monde datado de quinta-feira, reconhecem o espaço mundial de comunicação e informação como um bem comum da humanidade, pelo que se dizem dispostos a empenhar-se na promoção da liberdade, do pluralismo e da integridade da informação. Bob Woodward, um dos jornalistas que revelou o escândalo Watergate, que em 1974 ditou a demissão de Richard Nixon da Presidência dos Estados Unidos da América, referia-se, numa entrevista que o diário El País publicou no passado dia 10, à falta de confiança dos cidadãos no trabalho da imprensa. O “grande problema” é que, falando com mil pessoas – como ele tinha feito havia pouco – e perguntando quem desconfia dos media, a maioria levanta a mão. “Temos um contexto em quem as pessoas não confiam em nós”, diz o famoso jornalista, explicando o que importa fazer: “Devemos recuperar a confiança, e a única maneira de fazer isso é recuperar a calma, produzir boas informações, apresentar os factos às pessoas e não ir a programas de televisão dar murros na mesa”. De facto, o excesso de opinião – conversa de chacha, sobretudo, muitas vezes apenas auto-promocional – e o défice de informação – boa informação e útil – estão a corroer o jornalismo. Ao contar algo que fez quando começou a ser jornalista, Bob Woodward dá também um bom exemplo do género de escrutínio que torna mais útil o exercício do jornalismo: um dia o director do primeiro jornal para que trabalhou, o Montgomery County Sentinel, um jornal local do Estado de Maryland, chamou-o para lhe pedir que investigasse uma acusação que andava a ser referida, segundo a qual os funcionários da administração do condado usavam indevidamente os carros de trabalho, levando-os para casa à noite. Bob Woodward foi então, às nove ou dez da noite, ao parque de estacionamento onde todas as viaturas deveriam ter sido deixadas e não encontrou uma única. Tiraram fotos do estacionamento vazio e contaram a história. “Qual é a lição? Vá ao local e fique até tarde”. Lição que muitos não terão interesse em aprender, mas lição imprescindível para que o jornalismo retome esse velho desiderato de defender as pessoas comuns, contribuindo desde logo para travar os abusos dos que têm por missão estar ao serviço dos cidadãos.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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18 novembro 2018