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“Descansai um pouco”

O regresso dos Apóstolos (Mc 6, 30-34), texto lido nas eucaristias deste Domingo, aparece na sequência do envio dos discípulos em missão e dá-nos conta do apelo de Jesus ao recolhimento e ao descanso (Mc 6, 31a: “‘Vinde, retiremo-nos para um lugar deserto e descansai um pouco’”), a que o evangelista acrescenta, no versículo seguinte, a informação de que “foram (...), no barco, para um lugar isolado, sem mais ninguém”. Por um lado, não é de admirar o cansaço dos discípulos, dado que a urgência de atender às necessidades da multidão (v. 34: “eram como ovelhas sem pastor”) gerava uma intensa atividade (v. 31b: “eram tantos os que iam e vinham que nem tinham tempo para comer”). Por outro, salta à vista a sensibilidade e humanidade de Jesus que sabe serem as forças humanas limitadas e desgastantes as exigências da missão.

Depois da azáfama do trabalho, os discípulos precisam de repouso, num ambiente de silêncio e de paz que possibilite o diálogo e o descanso. De facto, o silêncio e a calma impõem-se como necessidades físicas e psicológicas, tal como exigências fundamentais do espírito. Só elas permitem a contemplação do mistério e favorecem a atitude mística que nenhum discípulo de Jesus Cristo poderá dispensar ou desvalorizar.

Já de férias ou perto delas, este texto lembra-nos a necessidade e a importância de parar para descansar. Aliás, “o descanso surge na primeira página da Bíblia e corresponde à procura de uma outra dimensão da vida: a ausência da rotina, a distanciação do quotidiano, a respiração do transcendente, a preparação do Eterno” (A. Rego, Palavra entre Palavras, p. 247). O calor e o cansaço, por um lado, a sedução do mar, da montanha e da aventura, por outro, são um apelo muito claro a deixar de lado as preocupações que rotinizam e desgastam para refazer as forças físicas e psíquicas, assim como para restabelecer ou refazer laços, no contexto emocional mais equilibrado que a natureza e a fruição do tempo proporcionam.

Por não serem o tempo do não te rales ou da preguiça, as férias não podem acontecer ao sabor dos ventos e serão tanto mais proveitosas quanto mais se fizer delas aquilo a que se destinam. Apresentamos, por isso, algumas propostas para que o sejam mesmo e respondam àquilo de que precisamos.

As férias servem para serenar o corpo e o espírito, para cuidar de nós e reencontrar o sentido da vida e o gosto de viver. Não há férias se o corpo e a mente não entrarem em repouso. Parar, serenar e refletir são atitudes básicas para quem quer dar utilidade e encanto à sua paragem. Refeitos no corpo e no espírito, estaremos então em condições de refazer o tecido das relações sociais. Libertos das canseiras, teremos mais tempo e disponibilidade interior para conviver com os outros, mostrando-nos como somos e aceitando-os como são. As longas conversas das férias deixam marcas fundas, solidificam amizades e ampliam horizontes.

As férias servem também para um contacto mais próximo com a natureza: idas à praia, mergulhos no mar e nos rios, caminhadas nas montanhas são algumas das atividades que nos ajudam a perceber que não apenas lidamos com a natureza, mas somos parte dela. Prestam-se a ser oportunidades para, de forma mais consciente, cuidarmos da “casa comum” e percebermos que, mais próximos da natureza, estaremos mais próximos de Deus, do Evangelho e dos outros.

As férias tornam-se ainda mais ricas e proveitosas quando apostamos na leitura, nas viagens e visitas a museus, no cultivo mais descansado (e, por isso, mais criativo) das artes; e quando cuidamos da espiritualidade, dando a Deus o lugar que lhe compete. Se o maior contacto com as criaturas serve para reforçar os laços com o Criador, também a oração mais pausada e a vivência sacramental mais calma pode reforçar a relação com Deus e com a comunidade.

Agitação constante, ambientes barulhentos, dispersão, excesso de comida e de bebida, destinos turísticos para impressionar os outros – não será isto que, muitas vezes, acontece? – são opções que profanam e banalizam o tempo sagrado das férias. São apostas que geram, num primeiro momento, sentimentos que inebriam, mas, por fim, conduzem ao vazio e insatisfação. Se isso acontecer, acaba-se as férias mais desgastado e destruído do que quando nelas se entrou.


Autor: P. João Alberto Correia
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19 julho 2021