Eles passeiam-se por aí com o ar mais natural e óbvio deste mundo e que, por isso, chega a ser displicente; hábeis e sem escrúpulos, conduzem carros topo de gama, vestem fatos de marca internacional, preferencialmente italiana e exibindo tal pragmatismo nas suas ações, quer de relações interpessoais, quer de negócios que pedem meças a qualquer filósofo encartado de senso comum.
Proliferam como cogumelos em terrenos decompostos ou em decomposição e medram a olhos vistos como sanguessugas de charcos e cloacas e engordam, em pouco tempo e à custa do alheio; e praticam a moral dos crápulas e a razão dos déspotas que se traduzem na velha fórmula: para se atingir os fins não se deve olhar a meios.
Topam-se, normalmente, pelas injustificadas potencialidades económico financeiras que exibem, os tais sinais exteriores de riqueza que nunca se traduzem em declarações fiscais consentâneas, nem de longe, nem de perto com os esquemas de vida que alardeiam; e estas estranhas formas de ser e estar na vida têm a cobertura consentida dos tais paraísos fiscais, fugas ao fisco e lavagens de dinheiro.
Há-os que trocam de carro ou casa como quem troca de camisa, frequentam restaurantes de luxo, possuem apartamentos nas praias mais em voga, passam férias no estrangeiro, têm a mulher em casa a tratar do canário, do caniche ou das intrigas das vizinhas...; e dão-lhe largas para tomar as chazadas das cinco com as madames mais emproadas e badaladas da praça.
Eles são os mafiosos, uma praga social que sempre existiu, mas nos dias de hoje ganhou foros de calamidade; são seres com pouco ou nenhum caráter capazes de venderem uma amizade por um prato de lentilhas ou trocarem uma consciência limpa e tranquila por uma influência barata ou por uma conveniência falaz; e, sobretudo, são os campeões da chantagem, da perfidia, da intriga, da corrupção, do arranjismo, que instalados à sombra do compadrio e do clientelismo, desenvolvendo vão, a partir daqui, a sua campanha de intoxicação e perversão social e ética; e vendem as influências que, assim, granjeiam a troco de chorudas luvas que entendem e justificam como recompensas honradas, merecidas e naturais por trabalhos altruístas.
Há-os que compram por dez e vendem por 10 mil, frequentemente e mais do que uma vez, o mesmo produto, em insólitas jornadas de subornos e negócios escuros; e são peritos na arte de passar à frente de tudo e todos, acotovelando, empurrando, não respeitando prioridades de qualquer natureza e, por mais paradoxal que pareça, arvoram-se em paladinos do bem comum, do altruísmo e da justiça social; e porque donos de uma verborreia farta, fácil e faceira, embora carregada nos erres, trocada nos bês por vês e com pontapés, a esmo, no uso de adjetivos e do verbo haver, bem como nas concordâncias gramaticais e construção sintática, levam os anjinhos de conversa.
Pois bem, como é possível tudo isto? Muito simplesmente devido a deficiências e fragilidades do sistema político em que vivemos, das quais as mais visíveis são os excessos político-partidários – a partidarite – que enxameia nas formações políticas existentes; quer dizer, eles inscrevem-se nos partidos, agremiações e estruturas adjacentes com a cobertura de padrinhos e madrinhas; e, daqui ao abastardamento de usos e costumes, vai um passo de anão; não se curando de saber se no lugar tal está o homem competente e probo, capaz de desempenhar convenientemente as funções a que ascendeu ou para que foi nomeado; e estas práticas acontecem com frequência em organismos públicos onde a corrupção, a imoralidade e a boçalidade se instalam basta atentarmos nos processos abertos e em julgamento nas instâncias judiciais.
Mas, então, não há remédio para a situação, perguntará o leitor mais avisado, atento e bem-intencionado? Claro que há, só que é preciso coragem e vontade política para mudar muita coisa no sistema partidário, como, por exemplo, na escolha de candidatos a cargos públicos, na revisão da lei eleitoral, na reformulação das estruturas das instituições públicas, mormente do sistema judicial; e, se não existe democracia sem partidos políticos, que estes se estruturem, se reformem e se reforcem, quer em termos organizacionais e materiais quer, sobretudo, morais e éticos.
E que não existam pruridos ideológicos, nem de classe política que impeçam tal mudança, mesmo que ela acarrete, nas circunstâncias existentes, a musculação necessária da democracia; porque só a prática de sistemas democráticos frouxos, porosos e permissivos conduzem ao enfraquecimento dos homens e instituições que a servem; e, consequentemente, abre portas à imoralidade, bandalheira e laxismo, facilitando, a partir daqui, o avanço de extremismos e populismos, quer de esquerda, quer de direita.
Pois é, mesmo sendo o menos mau dos regimes políticos, a Democracia exige frequentes injeções de soro ético e exercícios de musculação prática; e esta terapêutica necessária é para que ela permaneça sempre viva, ativa e operante; ademais, uma Democracia musculada não perde as suas virtualidades – prerrogativas, atributos e princípios basilares – como sejam a liberdade, igualdade e fraternidade, mas, tão-só assim impede os fenómenos prejudiciais de favoritismo, compadrio, corrupção e desigualdade que a tomam injusta, desigual, incongruente e inconsequente.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado