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Democracia a quanto obrigas

Se Sir Winston Churchill (político e escritor inglês – 1874/1965) fosse vivo, penso que, devido aos controversos tempos políticos que vivemos, teria dificuldades em afirmar e defender que a democracia é o sistema político menos mau entre os que existem; e, então, se fizesse uma análise, mesmo que breve e ligeira, à democracia que tem o seu país de nascimento, a Inglaterra, a desilusão seria total.

É que o mais importante em democracia é sabermos todos conviver serenamente; respeitando as diferenças e aceitando o princípio de que todas as ideologias, quer de esquerda, quer de direita, têm direito a existir; mas, para que isto aconteça, tem de se praticar o respeito mútuo, aceitando e pondo em prática o princípio de que tais ideias devem passar sem violência nem agressões de qualquer ordem, dizendo sempre não aos extremismos, populismos e radicalismos.

Agora, não podemos viver na certeza de que a democracia, uma vez conquistada e instalada, é um estado permanente porque natural, vivendo na certeza de que a sua ativação e defesa não nos inspiram preocupações; porque a democracia sempre exige, como a flor mais bela e próspera de qualquer jardim, acarinhamento, defesa e proteção, pois tantos e ardilosos são os perigos à espreita para a desacreditar e, consequentemente, derrubar.

E se olharmos para o que atualmente acontece em vários países do mundo, chegamos à conclusão de que os seus inimigos se juntam e funcionam em cadeia; e os exemplos são óbvios: a invasão da Ucrânia pela Rússia, os ataques no Brasil por correligionários de Bolsonaro às instâncias governativas não respeitando a vitória democrática de Lula da Silva e as manobras de Donald Trump na América para tentar reconquistar o poder, desacreditando o mandato de John Ben; ora, por detrás destes ataques à democracia temos aqueles que entendem ser ela uma desorganização completa a exigir mais polícia, mais repressão e corte nas liberdades e os que querem o oposto, ou seja, mais tolerância, mais abertura e menos policiamento, fazendo passar este estado de coisas por um populismo e extremismo vorazes.

Agora, olhando para a democracia que temos no nosso país, a uma rápida e evidente conclusão chegamos: a nossa democracia está doente, decrépita e a precisar de quem a defenda e reabilite; e, sobretudo de quem por ela combata, tonando-a mais ativa e viva através de um constante e árduo trabalho, empenho e preocupação de todos que nela veem a melhor forma de aproximar e congregar os cidadãos num projeto comum de justiça, paz, colaboração e liberdade.

E a prova do que afirmo está no rumo que a nossa vida democrática tem seguido ao longo dos últimos anos cada vez mais distorcido, controverso, negativo e abjeto; e se não temos memória curta facilmente nos lembramos, por exemplo, das dificuldades de Cavaco Silva na sua última fase política, do abandono de Guterres desiludido com o seu governo, da fuga de Durão Barroso para Bruxelas a meio do seu mandato governativo, da falência financeira do país levada a cabo pelo governo de José Sócrates, das lutas que Passos Coelho teve de enfrentar contra permanentes conspirações internas a ponto de ter de chamar a Troika para pôr rumo ao desnorte financeiro do país, herdado do anterior governo socialista e, presentemente, o descomando do atual governo, sem rota nem ânimo, de António Costa, sacudido por escândalos constantes de ministros e secretários de estado a reclamarem que seja posta em causa a sua legitimidade democrática.

Pois bem, por este caminho, parece que estamos condenados a ser um país nesta ponta da península Ibérica habitado por um povo que não se governa, nem se deixa governar, como afirmava o general romano Galha em carta enviada ao seu imperador, aquando das invasões; e, assim, há muito continuamos à espera das necessárias e urgentes reformas na Educação, na Justiça, no SNS (Serviço Nacional de Saúde) e na Segurança Social, na diminuição das gritantes injustiças e diferenças sociais, na irradicação da pobreza, na correção da legislação laboral, no lançamento dum mercado público de habitação e na criação de um modelo de crescimento económico mais eficiente e justo.

E, fundamentalmente, há que pôr cobro definitivo à criminosa corrupção, ao tráfico descarado de influências e arranjismos, às lavagens de dinheiro, às fugas ao fisco, às falências fraudulentas, etc,. etc; e ainda, escolher governantes capazes, honestos, altruístas e estadistas, ou seja defensores do bem comum que nem o actual governo, mesmo com maioria absoluta no Parlamento, tem conseguido.

Porque teimosamente a caminharmos nesta errada direção, o abismo nos espera; e as bodas de ouro da democracia que queremos celebrar em 2024 não passarão de uma tremenda e cáustica desilusão a lembrar antes bodas de sangue; até porque, inevitavelmente, estamos a abrir caminho ao avanço e instalação dos extremismos, radicalismos e populismos, de esquerda ou de direita, que já espreitam e anseiam gulosamente o poder.

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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1 fevereiro 2023