A Assembleia é, assim, o centro da vida política de uma nação, de um país, pois representa a vontade dos cidadãos expressa em deputados que ali tomam assento, eleitos pelas diferentes forças partidárias. E é tendo em conta os partidos aqui representados, em função dos resultados eleitorais, que é nomeado o Governo.
Por isso é que os partidos são fundamentais nas democracias, embora a democracia não se esgote neles: «se é verdade que sem partidos e sistemas partidários não há democracia, também é importante relembrar que não é só com partidos e sistemas partidários que há democracia», como escreve Carlos Jalali num sucinto (104 págs.), claro e instrutivo manual publicado, em boa hora e a preço acessível (5.00 €), pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. O ensaio intitula-se «Partidos e Sistemas Partidários» e recomenda-se a sua leitura pela visão desapaixonada, mas sustentada da evolução dos sistemas partidários e da democracia a Ocidente.
Do que atrás fica dito, dois princípios se sobrelevam e são comuns, em parte, à democracia de Atenas, na Grécia Antiga: o princípio da maioria e a existência de partidos, no contexto da Assembleia. Os cidadãos de Atenas chamavam-lhe Ecclesia, órgão que reunia todos os cidadãos da pólis; por isso, ela era considerada o coração do sistema democrático. Por outro lado, não se pode falar propriamente em partidos, pois «não existiam partidos políticos com interesses institucionalizados – escreve Ribeiro Ferreira – verificam-se apenas divergências de interesses entre sectores, como o urbano e o rural e sobretudo ricos e pobres».
Era sobretudo esta oposição entre ricos e pobres que dominava a vida política ateniense e é ela que está na base da definição de regimes feita por Aristóteles na Política (1279b 7-10): «a tirania é o governo de um só com vista ao interesse pessoal; a oligarquia é a busca do interesse dos ricos; a democracia visa o interesse dos pobres. Nenhum destes regimes visa o interesse da comunidade».
E, neste ponto, surge a pergunta lógica: então, na opinião do filósofo estagirita, qual é o regime que busca o interesse comum? Ele responde que podem ser três os regimes: o interesse comum pode ser um objectivo da realeza ou monarquia, da aristocracia e do regime constitucional, «quando muitos governam em vista ao interesse comum, o regime recebe o nome comum a todos os regimes, ‘regime constitucional’» (Política 1279a 34-39). E há ainda este pormenor, não despiciendo: o dêmos ou os mais pobres sempre foram dirigidos por chefes com ascendência aristocrática, como foi o caso do próprio Péricles, que o historiador Plutarco retrata como um homem «de família e de descendência de primeira nobreza, quer da parte do pai, quer da da mãe» (Péricles 3.1).
Agora, o princípio da maioria. O historiador grego Tucídides (séc. V a. C.), na sua história da Guerra do Peloponeso, que retrata a luta entre Atenas democrática e Esparta oligárquica, entre 431 e 404 a. C., havia de conduzir inevitavelmente a uma grande perda de vidas humanas de ambos dos lados. No Livro II (34-46), apresenta-se um texto intitulado Oração fúnebre pronunciada por Péricles, o qual presta homenagem aos atenienses mortos durante o primeiro ano desta guerra.
Postas de lado as recorrentes dúvidas acerca da sua autenticidade, ele é, sem dúvida, um grande elogio à constituição ateniense e ao seu regime democrático. Ali se pode ler, em tradução de Rocha Pereira (37.1): «o regime político que nós seguimos não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto de a direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei…».
Autor: António Maria Martins Melo