Aliás, foi sob o regime da constituição democrática que esta cidade da Ática alcançou os maiores píncaros da sua glória e a projectou definitivamente como a grande inspiradora da realização do espírito ocidental, dando uma forma única à nossa maneira de estar na vida. Isto é visível, com maior destaque na actualidade, na organização política dos povos do ocidente; porém, pode afirmar-se que essa presença se afirma por toda a expressão artística, seja no campo da Literatura ou das artes plásticas.
Hoje, não podemos esquecer, por exemplo, que os traços de arquitectura que emprestam monumentalidade reconhecida a algumas cidades, como Berlim ou Washington, para citar apenas duas das mais emblemáticas, foram buscar os seus modelos à Grécia Antiga e à Roma de Augusto.
O espírito democrático, aquele impulso natural de participação na vida colectiva de corpo inteiro é tão forte e mobilizador que levou as cidades gregas a unirem-se para derrotar o grande império Persa, infinitamente mais poderoso, no primeiro quartel do século V a. C. Desta época democrática, fortalecida num tempo de prosperidade e de entusiasmo pela vitória alcançada, tornaram-se célebres grandes realizações humanas. Assim, no campo do teatro, o meio de formação do povo por excelência na vida colectiva da pólis (cidade) grega, assiste-se, por exemplo, à primeira representação da Antígona (440 a. C.) de Sófocles e, cerca de dez anos mais tarde, da Medeia (431 a.C.) de Eurípides.
No campo das Belas Artes, também é obrigatório recordar algumas das realizações supremas do grande ideal humano, como a estátua do Discóbolo (460-450 a. C.) de Míron ou a do Dorífero («portador da lança») de Policleto; a estátua de Zeus em Olímpia, de ouro e marfim (criselefantina), desafortunadamente, perdeu-se na passagem dos séculos. Foi seu autor Fídias, o escultor ateniense que se viria a notabilizar no trabalho que empreendeu para a reconstrução da monumental Acrópole de Atenas, plano esse desenvolvido em estreita colaboração com outro estadista da cidade, Péricles.
Seguramente a maior realização deste líder do partido democrático, que ele apelidou de «escola da Hélade», e que ainda hoje podemos admirar na sua imponência, com destaque para dois templos: o Partenão e o inigualável Erecteu. Como já o sublinhou José Ribeiro Ferreira, tudo isto, olhado no seu conjunto, corporiza o pensamento de Péricles acerca da sua cidade, como se pode ler nestas palavras dele: «Amamos o belo com simplicidade e prezamos a cultura sem moleza.
Servimo-nos da riqueza mais como meio de trabalho do que como objecto de presunção oratória, e a pobreza não é tida por vergonha, mas mais vergonhoso é não a evitar, trabalhando» (Tucídides, 2.40.1). Bem a propósito será recordar uma das mais célebres pinturas do renascimento italiano, a «Escola de Atenas», do pintor italiano Rafael Sanzio.
Mas uma sombra paira sobre esta luminosa época ateniense: a morte de Sócrates, em 399 a. C., que resultou do veredicto de um tribunal, composto por cerca de 500 juízes, alcançado sem «uma maioria forte. Ora, se não erro as contas – diz Sócrates – bastaria que eu tivesse recebido apenas mais trinta votos para ser absolvido» (Platão, Apologia de Sócrates, 36a). Péricles tinha morrido há trinta anos.
Autor: António Maria Martins Melo