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Dar nota de classificação na 1.ª e 2.ª classe?

Hildegard Hetzer, no seu livro Psicologia Pedagógica, traduzido e editado pela Fundação Calouste Gulbenkian, aborda uma questão que pode parecer mínima, mas que tem muita importância quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista da motivação da aprendizagem. Refere-se ao costume de dar nota de classificação aos alunos da 1.ª e 2.ª classe da Escola Primária (agora, já não se diz assim, diz-se 1.º e 2.º ano do 1.º Ciclo: é a tal “inovação” em que se mudam os nomes, mas a realidade continua como estava). Pois é, dar nota a um aluno da 1.ª e 2.ª classe (perdão, do 1.º e 2.º ano do I Ciclo) não faz sentido, porque ele ainda não está suficientemente desenvolvido para ser capaz de avaliar e comparar qualitativamente o seu trabalho com o dos outros e por isso não a compreende nem aceita. Nem ele nem os pais, que depois reagem a essa avaliação à sua maneira. Para ele, o que fez está bem feito, foi o melhor que soube, identifica-se com ele próprio e está muito bonito. Se alguém o deprecia é porque não gosta dele… (por aqui se pode avaliar a importância do afecto na relação pedagógica, sobretudo em idades mais novas). E fica muito triste com isso. Só no 3.º ano, depois dos 7 ou 8 anos, é que já vai começar a ser capaz de separar mentalmente o trabalho que fez da sua pessoa e começar a entender a classificação. Até aí, vê a classificação como prova de amor ou de rejeição da parte da professora. Se a professora não souber lidar com esta situação, comete um outro erro: ao premiar os considerados “bons”, cria neles a convicção de que outros não valem nada, o que não contribui para a socialização nem para a coesão e tolerância de grupo. Eu sei que há diferenças reais, que não são todos iguais em qualidades físicas e psicológicas, mas nesta idade não compreendem isso e interpretam-no mal. E mal deles se não gostassem de si próprios, apesar das suas limitações… Tudo tem o seu tempo. E como nesta idade a imagem da professora é muito valorizada pela criança (e também pelos pais), no caso de apreciação negativa pode dar origem a outras atitudes indesejadas em casa, daí podem nascer incompreensões pessoais e explicações inúteis. Então, como fazer? Antes de mais, evitar dar classificações no 1.º e 2.º ano do 1.º Ciclo, mesmo que sejam de tipo qualitativo, porque os pais tendem logo a convertê-las em classificação numérica quantitativa e a rotular a criança. Claro que a criança vai gradualmente aprendendo a entender o significado da classificação em função das regras, mas não podemos esquecer o seu desenvolvimento actual. Já nem falo dos casos de deficiências. E se a professora tiver de fazer alguma avaliação, que o faça através de observações que contenham sempre algo de positivo e motivante, realçando o esforço da criança, as tendências que vai revelando, os progressos que vai fazendo e as suas aptidões. Para além do mais, isto vai abrindo uma diversidade de formas de aprender. Porque não pode ser tudo igual. Continua por resolver a lacuna da diversidade de realização pessoal no ensino, um leque diversificado de formas de aprender, ao contrário da tradicional via única de ir toda a gente para a universidade, que não faz sentido nenhum. Continua esta ingenuidade pedagógica, muito do agrado igualitário da esquerda, agora disfarçada de outro modo: alunos que não conseguiram ter aproveitamento escolar no currículo geral vão passando, por outra via e têm, depois, as portas das universidades abertas. Para quê? Porque não criar currículos diversificados que se adequem às suas aptidões onde eles se possam realizar? E se a professora tiver de repreender um aluno, que o faça de modo compreensivo e o recompense com uma maior atenção pessoal, de modo a evitar que ele não confunda a avaliação do seu trabalho com a sua autoestima e impeça que os colegas o olhem como aluno rejeitado e castigado porque a professora não gosta dele. O papel da professora não é ser juíza, mas estimular e motivar cada um conforme as suas possibilidades e o seu ritmo de desenvolvimento.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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18 julho 2021