Todavia, como ninguém capaz é de fazer omeletas sem ovos, o meu Amigo com o que a terra vai dando, faz das tripas coração para que o fisco, com a sua sanha glutona, não o deixe de calças na mão e em pelote na hora de cumprir as suas obrigações; e, então, a sua costela agrícola, e concomitantemente financeira, leva-o a apostar na produção de kiwis que se cifra já nalgumas toneladas.
Ora, por força das regras comerciais em vigor, só o produto com determinada apresentação e calibre pode seguir para o mercado público; e, daí, no final da necessária seleção, muitos são os frutos que abandonados ficam nos kiwizeiros e à espera de mãos benfeitoras que os libertem do seu cativeiro, até para que se possa iniciar a faina para a próxima produção.
Por isso, o meu Amigo abre os portões da sua propriedade aos amigos, vizinhos, instituições de solidariedade social e, até, às autarquias da zona para que apanhem e transportem à vontade o esverdeado, saboroso e perfumado fruto de origem neozelandesa; e, desta forma, dá satisfação à sua faceta generosa e abre caminho para que os kiwizeiros se preparem para nova produção.
Assim sendo, após a apanha deste ano, lá fez o convite costumado e, como sempre correspondido, às pessoas e entidades que no seu canhenho constam; só que, para seu absoluto espanto, houve uma autarquia convidada que teve este rasgo de autêntico desplante e chuchadeira:
– Sim, estamos interessados, mas só se os colherem e os transportarem até às nossas instalações.
Pois bem, o meu Amigo ficou pior do que estragado e já ouviu muitas na vida, mas como esta não lembra ao diabo; e fê-lo concluir que este autarca, afinal, muito habituado deve estar a fazer figura à custa do parolo e, quem sabe, a subir na vida às cavalitas de qualquer azémola; depois, com certeza muitos munícipes necessitados, por culpa da desfaçatez do seu autarca, não beneficiaram desta dádiva alimentar que, de mão beijada lhes seria facultada; ademais, porque era época de Natal, o cabaz que a autarquia lhes preparasse mais recheado e refinado podia resultar se o senhor presidente não fosse tão insolitamente exigente, oportunista e perdulário.
E o meu Amigo, em jeito de desabafo, verbera:
– É preciso ter uma grande latosa, porque isto de ao dado e arregaçado não falta por aí muito melro a candidatar-se, mesmo que seja a fundos europeus e, depois, a assobiar se põe para o lado na maior das descontrações.
E eu, em jeito de conclusão, pergunto:
– Será que somente se os kiwis fossem pagos é que o senhor presidente os ia carregar?
Entretanto, é caso para praguejarmos:
– Porra, vai cá uma nortada!
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado