1. Acabei há pouco de ler dois livros: o de Fátima Campos Ferreira, «Manuela Eanes», e o de Assunção Cristas, «Confiança». Fiquei a conhecer melhor estas duas Senhoras (assim, com maiúscula). Duas Cristãs assumidas para quem o Cristianismo se não resume à oração diária e à participação na Eucaristia mas leva ao serviço a favor dos outros.
Manuela Eanes, licenciada em Direito, dedicou-se particularmente a trabalhar na área social, com relevo na defesa da criança. Fundou o Instituto de Apoio à Criança. Já na Universidade tinha integrado um grupo muito ativo na JUC – Juventude Universitária Católica.
Assunção Cristas, depois de ter exercido o cargo de professora na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, tem-se dedicado à política, encarando-a não como profissão mas como serviço aos outros. «O dever de um cristão é desacomodar-se e dizer sim ao serviço aos outros, é estar permanentemente disponível para se dar aos outros», escreve.
2. Lembro, a propósito, a Carta de Santiago, onde se diz que a fé sem obras é morta. Mostra-me a tua fé sem obras que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé (2, 1-19).
É evidente que me não compete julgar ninguém. Não devo nem quero fazê-lo. Mas estou persuadido de que se muitos de nós, cristãos, não vivêssemos um cristianismo descafeinado (a expressão ouvi-a um dia a Bagão Félix) a sociedade em que vivemos seria outra.
Comparo muitas vezes (salvas as devidas proporções, é claro!) a vida de um cristão à de um automóvel. Precisa de, periodicamente, ir à estação de serviço (a Igreja) para se abastecer; uma vez ou outra, vai à oficina (o sacramento da reconciliação), para reparar qualquer amolgadela. Mas o automóvel existe para servir, para andar na estrada. O cristão vai à igreja mas não vive lá.
3. Sem ser do mundo, é missão do cristão estar no mundo (João 17, 11-17). Para nele agir como sal, como fermento, como luz (Mateus 5, 14-16;13, 33. Não para se deixar influenciar mas para, discretamente, ir influenciando.
O Evangelho é todo ele um apelo a que nos empenhemos na construção de uma sociedade cada vez melhor: mais fraterna, mais solidária, mais justa.
O tema do julgamento, quando, após a partida deste lado da vida, nos encontrarmos com Jesus, é o que fizemos pelos outros (Mateus 25, 31-46). Não nos será perguntado quantas voltas demos de joelhos em redor de uma capelinha ou quantos quilómetros fizemos a pé numa peregrinação, mas quantas vezes servimos os que precisavam da nossa ajuda.
Nem todo o que diz Senhor, Senhor entrará no Reino do Céu, mas sim o que faz a vontade de Deus (Mateus 7, 21-29), e a vontade de Deus é que O amemos e nos amemos.
Exige-se do cristão que, onde quer que se encontre, atue cristamente: cumpra bem os seus deveres, seja respeitador, seja um bom colega de trabalho, se deixe de fofoquices, seja correto nos negócios, use uma linguagem correta, esteja atento aos mais fragilizados e faça o que pode em benefício deles imitando o Samaritano da parábola evangélica (Lucas 10, 29-37).
4. O cristão atua de harmonia com a própria consciência, que procura ter bem formada. Sabe quando deve dizer sim e quando deve dizer não. Não vive preocupado em alinhar com maioria quando a consciência lhe diz que esta se encontra desorientada.
O cristão não tem medo da política, mas vive-a como um serviço aos outros e não como uma oportunidade de se servir e de servir os amigos. Vive-a tendo em vista o bem comum e não com o objetivo de conseguir influências para fazer progredir os seus negócios. Resiste à ditadura da moda e às imposições da sociedade de consumo. Não se deixa levar pelo agora usa-se, agora é assim.
Autor: Silva Araújo
Da fé às obras
DM
25 julho 2019