O início do ano escolar é um momento marcante para quase todas as famílias, sempre preocupadas com os seus filhos: que colegas vão ter, que ambiente os espera, como vão ser os professores… será que vão estar em segurança? Preocupações naturais e que não são apenas deste nosso tempo. E, por isso, no primeiro dia de aulas, os pais acompanham e rodeiam os seus filhos de todo o enlevo.
Se recuarmos no tempo, também vamos descobrir exemplos de pais extremosos, preocupados com a felicidade dos seus filhos, não se eximindo a sacrifícios em prol desse objectivo mais alto.
E é neste contexto que vou trazer para aqui a figura de um dos grandes poetas latinos, Horácio, nascido no ano 65 a. C., na colónia romana de Venúsia, situada na região da Apúlia, sul de Itália.
Seu pai era um liberto, isto é, um escravo público que viria a alcançar a liberdade e a cidadania romana; possuía uma pequena propriedade e exercia a profissão de agente de leilões (coactor argentarius), donde lhe provinham copiosos rendimentos. Não obstante as origens humildes da sua condição social, foi assim que o pai veio a proporcionar ao filho uma educação esmerada em Roma, frequentando a escola do famoso mestre Orbílio, «o das palmatoadas» (plagosum) como ele próprio escreve numa das suas Epístolas(2.1.69-71).
Mais tarde, continuou os seus estudos na cidade de Atenas, onde fez aquilo que hoje poderíamos designar por estudos universitários, na companhia dos filhos das personagens mais influentes da época, como sejam os de Cícero e do seu rival mais temível nos tribunais, o célebre causídico Hortênsio.
Completou, deste modo, os seus estudos de retórica e de filosofia, nas melhores escolas, de que guarda grata recordação, como se pode ler numa das suas Epístolas(2.2.43-45), em tradução do saudoso mestre R. M. Rosado Fernandes: «Coube-me em sorte ter sido educado em Roma e de aí me terem ensinado o mal que fez aos Gregos a raiva de Aquiles, e a simpática Atenas veio depois juntar a isso um pouco mais de cultura, ou seja, desejar saber distinguir a linha recta da linha curva e brusca e procurar a verdade nos bosques de Academo».
E logo de seguida, com saudade recorda esta época: «Mas tempos bem duros afastaram-me desse lugar, que me era tão caro, e a tempestade da guerra civil levou-me, inexperiente, contra as armas de César Augusto, as quais não estavam à altura dos meus braços».
Com efeito, em 44 a. C. chegou a Atenas Bruto, o assassino de César, que se iria juntar aos seus compatriotas nos estudos da filosofia. E foi nos bancos de escola que Horácio se sentiu atraído pelos ideais republicanos de Bruto e enfileirou no seu exército, conhecendo a derrota em 42 a. C., na Batalha de Filipos. Em consequência, Horácio viu-se obrigado a regressar a Roma, beneficiando de uma amnistia. Esperava-o uma dura realidade: o pai morrera e os seus bens haviam sido confiscados para compensar os vencedores, como ele próprio escreve (Epístolas, 2.2.49-52): «Logo que Filipos me libertou, com as asas cortadas, modesto e privado dos bens familiares e da minha terra, a pobreza, que cria audácia, empurrou-me para fazer versos…».
Mas não terá sido bem assim que sucedeu. Com efeito, sabemos que o poeta, por essa altura, sobreviveu graças a um posto que alcançara na administração, um lugar socialmente relevante: uma espécie de secretário do Tesouro (scriba quaestorius). Mas uma coisa é certa, este cargo favoreceu o desabrochar da verdadeira paixão da sua vida: a poesia. Corria o ano 39 a. C. quando foi apresentado a Mecenas, pela mão de Virgílio e Vário, que reconheceram nos seus poemas a promessa de um grande poeta.
Assim escreve Horácio (Sátiras,1.6.52-64), em tradução da Profa. Rocha Pereira: «Não poderia dizer que fui feliz / porque o acaso me trouxe em sorte a tua amizade. / Pois não foi acaso algum que te levou ao meu encontro, um dia / o excelente Virgílio, depois dele Vário, disseram-te quem eu era. / levado à tua presença, falei pouco e entrecortado, / – pois uma timidez emudecedora impedia-me de falar mais – /não digo que nasci de pai ilustre, nem que dou a volta / em cavalode Satúrio aos meus campos. /Mas como quem era; respondes, segundo o teu costume, / pouca coisa, retiro-me; passados nove meses, chamas-me / e mandas-me contar no número dos amigos. Em grande conta / tenho o ter-te agradado, a ti que distingues o honesto do torpe, / não pela ilustração do pai, mas pela pureza da vida e do coração».
Vislumbra-se aqui os frutos de uma educação que assentava em princípios morais muito claros: o poeta não se envergonhava das origens humildes da sua família e o seu superior soube reconhecer esse valor. Depois, é o próprio Mecenas que o apresenta a Augusto e, paulatinamente, se vão estreitando relações de amizade ao mais alto nível.
Em conclusão: a verdade compensa e a educação honesta, aliada a uma sólida formação intelectual, feitas nas melhores escolas, propicia a forma mais rápida de ascensão social, com satisfação pessoal, reconhecimento público e largos benefícios para o bem comum, a verdadeira âncora de toda a acção em prol da comunidade.
Autor: António Maria Martins Melo
Da educação como elevador social: um caso exemplar!

DM
6 outubro 2018