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Da educação como elevador social: a importância da Família!

Horácio, como se viu, alcançou os mais altos cargos na administração romana graças principalmente à sua esmerada formação académica, que implicou grande esforço pessoal e uma vontade tenaz de vencer as adversidades. E é aqui que veio a desempenhar papel primordial o pai, que foi o seu confidente mais próximo.

Horácio, no Livro I das Sátiras (1.6.81-84), confessa que era o seu pai, em pessoa, que o acompanhava até à escola dos seus mestres, em Roma. Ele não quis que o seu filho fosse educado na sua terra natal, a pequena Venúsia, onde, entre os filhos de gente ilustre, ele nunca deixaria de ser o filho de um escravo que alcançou a liberdade (libertino patre natum, vv. 37-38).

Seu pai havia de o conduzir para as melhores escolas de Roma, onde iria privar com os filhos das classes mais ilustres da sociedade, isto é, os filhos da ordem equestre e dos senadores.

A par dos pedagogos escravos, pagos para acompanhar os filhos das classes mais abastadas, era o próprio pai que o acompanhava diariamente à escola, preservando-lhe, assim, qual guardião, a sua inocência, livrando-o de todos os impropérios caluniosos ou de outros perigos da cidade, pois seu pai estava interessado, sobretudo, numa boa formação humana e moral para o seu filho: «foi isso que meu querido pai me inculcou; que me afastasse dos exemplos dos maus actos e que deles tomasse nota» (I.4.105-106), em tradução do saudoso mestre R. M. Rosado Fernandes (Horácio, Arte Poética, FCG, 2012).

Esta Sátira IV, do Livro I, apresenta um verdadeiro programa de formação moral, com evidentes lições para o nosso tempo. Um aspecto ali abordado é a questão das heranças. Escreve Horácio que o seu pai o «aconselhava a que poupasse com frugalidade e que vivesse contentando-me com o que me viesse a legar».

E logo acrescenta as próprias palavras do pai: «Será que não vês como vivem mal e sem recursos o filho de Álfio e Baio? O princípio fundamental é não perder a herança paterna quem assim o desejar».

A par da fortuna, a questão dos ‘amores’ também não foge a princípios paternos bem definidos, acrescentando «para afastar-me, como aconselhava, de amores com torpe mulher da vida», pensamento logo sublinhado com a citação das palavras paternas «Vê se não imitas Caetano».

E continua: «dizia-me para não andar atrás de mulheres adúlteras, para que possa gozar de um amor lícito, abençoado por Vénus», rematado com exemplo eloquente: «Não é boa fama a de Trebónico, que está na prisão».

A importância dos avós na formação dos netos também ali aparece plasmada de forma insofismável, assim como o necessário respeito e reconhecimento a uma crescente independência dos filhos, conquistada com esforço e exemplarmente.

Escreve Horácio: «Quem tiver bom senso dar-te-á as razões por que é melhor procurar este caminho e evitar qualquer outro. Para mim, basta que consigas respeitar os costumes legados pelos nossos avós e que eu possa observar, pois já deixaste de precisar de um mentor, como consegues respeitar a tua vida e manter impecável o teu bom nome: assim, enquanto a vida tornar mais resistentes o teu corpo e o teu espírito, poderás nadar sem que te agarres a qualquer bóia». Bela imagem!

Mas os cuidados paternos vão mais longe, indicando caminho e caracterizando o mentor ideal. Diz Horácio: «Era com estes conselhos que me educava quando eu era novinho e se me mandava fazer alguma coisa, indicava-me alguém que escolhia entre gente de bom senso», para logo acrescentar as próprias palavras de seu pai: «Aí tens alguém que te mostrará como se faz».

Por outro lado, se o pai de Horácio o quisesse impedir de fazer alguma coisa, dizia-lhe: «Se isto é desonesto, não aproveita fazer-se, mas se aproveita, vê se fazes uma avaliação, desde que pressintas rumores negativos quanto a este ou aquele».

E Horácio remata com este exemplo eloquente: «Tal como o funeral de um vizinho desanima os gananciosos, como se estivessem doentes, e os leva a ser comedidos por medo da morte, assim também as vergonhas alheias afastam dos vícios os mais moderados».

E Horácio conclui acerca de si próprio: «Eis o motivo por que eu me curei desses males que levam à destruição, ainda que seja afectado por defeitos medianos…».


Autor: António Maria Martins Melo
DM

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3 novembro 2018