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Da Corrupção

Da corrupção… Há 25 anos que investigamos e alertamos. Assistimos a uma pequena revolução. Mas cuidado, pois passar do “8 para o 80”, pode significar uma outra corrupção, também de pelourinho. É que, como nos ensinaram Dias/Andrade, o Estado, o próprio, se pode tornar no criminoso. Do ponto de vista ético, mas também constitucional, não podemos esquecer que é tão grave cometer fraude em relação aos impostos, como delapidar os dinheiros públicos por dolo e/ou negligência grosseira. Num sentido alargado, diríamos que a corrupção pode ser económica, social, política, cultural, mental. Imagine-se um país (qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência) no qual os preços da energia (subsidiados por rendas do próprio Estado!) e/ou combustíveis estão acima da média europeia? Ou parcerias público-privadas que fazem com que o Estado tenha que desviar “legalmente” verbas para engordar os já avultados lucros de empresas privadas, as quais, por sua vez, qual belzebu gil-vicentino, ainda têm a lata de fugir para paraísos fiscais, numa orgia auto-corruptiva. Ou os famosos contratos de permuta financeira “swap”, nos quais o poder e o dinheiro entram numa espécie de autofilia social e financeira, a qual prejudica sobretudo os mais jovens e recém-chegados ao trabalho, mas também os desempregados, os idosos, os deficientes, os doentes, os rejeitados, os pobres, as crianças, as mulheres, os excluídos. Ao lhes rejeitar inclusive, e ab initio, “um lugar ao sol”, e empurrando-os para outros países. E aqueles que, com alguns dos salários mais altos da Europa ainda querem mais? Não será isto também uma forma de corrupção social? Do ponto de vista sociológico, que não seja “democraticamente” neutro (nunca o é a 100%), o significado de corrupção pode se tornar tão largo que a própria investigação científica pode estar corrompida, porque, v.g., não se consegue livrar duma qualquer carga ideológica. Lembramos a “Universidade-empresa” da razão técnico-instrumental. Num jogo sempre inacabado à volta do “jogo da cadeira” entre propriedades privada, pública, cooperativismo e/ou de tradição de “mão comum”, entre outras infinitas e históricas espécies. Numa perspectiva sociológica, a acepção de sociologia é porventura demasiado vasta. Não esquecendo que, como há muito nos alerta R. Shiller, que citámos muitos anos antes de se ter tornado “prémio Nobel de ciências económicas”, há duas variáveis do ser humano que, no sistema capitalista dominante, são inultrapassáveis: a inveja e o prazer do jogo. Já em termos de tipologias da corrupção, rectius Reis Bravo, nos acercamos, pelo menos, de cinco dimensões: dimensão comum, corrupção de-e-por funcionários, art.s 372º e ss. do Código Penal, até Lei 94/2017, de 23/8; dimensão da acção política, art.s 16º a 18º e 19º-19º-A, da Lei 34/87, de 16/7, com alterações até à Lei 30/2015, de 22/4; dimensão do comércio internacional, art. 7º, e do sector privado, art.s 8º e 9º da Lei 20/2008, com alterações até à Lei 30/2015, de 22/4; dimensão da acção desportiva, art.s 8º e 9º da Lei 50/2007, de 31/8, com alterações até à Lei 13/2017, de 2/5; dimensão militar, art.s 36º e 37º do Código de Justiça Militar, Lei 100/2003, de 15/9, com Rect. 2/2004, de 3/1. Já o dissemos, tb. Dias/Andrade: a corrupção está ligada intimamente à experiência da polícia, com consequências óbvias na discricionariedade e selecção. Assumindo diferentes posturas conforme o país do mundo, a corrupção está por vezes ligada à própria corrupção da polícia (recorde-se os casos de Ricardo Macedo e Dias Santos, Inspector-Chefe e Coordenador reformado da PJ, detidos por suspeitas de corrupção junto de traficantes de droga pesada). Uma espécie de bacanal entre crime organizado, polícias e política. Não admira, pois, que também Magistrados possam estar envolvidos (v. notícias). Assim, “a corrupção é um jogo no qual todos os actores procuram lucrar” (H. Goldstein). Não por acaso que os crimes sem vítima são um paraíso da corrupção. “É que as práticas proibidas não prejudicam ninguém”. Ecce homo.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira
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2 fevereiro 2018