Apesar da centralidade deste órgão na democracia ateniense, a actividade da Assembleia ou Ecclesia nunca entusiasmou muito os cidadãos, havendo alturas de maior ou menor apreço. O início do séc. IV a. C. é precisamente um desses momentos, marcado por níveis de elevada abstenção, isto é, os cidadãos que compareciam às reuniões da Assembleia eram em número muito reduzido. Foi por isso que, na altura, se instituiu uma espécie de remuneração para compensar a presença dos cidadãos e que a história havia de conhecer por misthos ecclesiasticos. No início era um óbolo, mas rapidamente subiu para três, o correspondente a meia dracma. Aristóteles, na Constituição dos Atenienses (41.3), regista assim a questão: «De início, foi recusada a atribuição de pagamento para se assistir às reuniões da assembleia. Contudo, porque os cidadãos não compareciam nas sessões e os prítanes se tinham de valer de artifícios para garantir a presença das pessoas necessárias à ratificação das votações, Agírrio foi o primeiro a atribuir um óbolo; em seguida, Heraclides de Clazómenas, apelidado o ‘rei’, instaurou o dióbulo e Agírrio, novamente, fixou o trióbolo». Porém, esta medida não passaria indiferente à sociedade da época.
Com efeito, Aristófanes, um célebre autor grego de comédias, traria a questão para uma das suas peças de teatro, As Mulheres no Parlamento, traduzida para português por Maria de Fátima Silva, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Trata-se de uma comédia representada, pela primeira vez, em 392 a. C., na cidade de Atenas, por isso mesmo, contemporânea destes acontecimentos. Por isso, nesta peça de teatro, podem colher-se alguns indícios do ambiente político vivido naquela altura. A heroína chama-se Praxágora e começa por falar da sua desilusão perante a forma como decorria a vida política na cidade: «E aflige-me, dá-me engulhos, ver a podridão que vai por essa cidade. O mal está em que a vejo sempre deitar mão a governantes da pior espécie. Se, por um dia que seja, aparece um que se aproveite, ao fim de dez fica igual ao anterior. Confia-se noutro, é pior a emenda que o soneto. Sem dúvida que é difícil abrir os olhos a gente cabeçuda como esta: dos que vos são dedicados, vocês têm medo; dos que não querem nada convosco, andam atrás deles que nem cordeirinhos». Por esta razão é que Praxágora vai propor às companheiras que o governo da pólis (cidade) seja entregue às mulheres. E logo se dirigem em grupo, travestidas de homens, para ocuparem os lugares da Assembleia: «Vamos para a Assembleia, meus senhores, que o escrivão ameaçou que quem não chegar a tempo e horas, ao romper da aurora, coberto de pó, com uma salmoura de mata-bicho e cara alegre, lhe não pagaria o trióbolo». E, mais à frente, continua a heroína: «Antes de mais, vamos correr com essa malta da cidade, que antigamente, quando se não recebia senão um óbolo, ficava ao paleio no mercado das flores; hoje em dia, são mais que as mães. Outro galo nos cantava, no tempo em que governava Mirónides, um homem com letra grande. Quem se atrevia a tratar dos assuntos da cidade por dinheiro? Quando chegava trazia consigo de beber, num odre pequeno, um naco de pão seco, duas cebolas e três azeitonas. Hoje em dia anda tudo à caça do trióbolo, quando se ocupam dos negócios do Estado, nem que fossem uns míseros carrejões». Pelas fontes históricas, sabemos que esta remuneração pela presença na Assembleia se viria a fixar, mais tarde, em dracma e meia, isto é, nove óbolos, como se pode ler em Aristóteles (Constituição dos Atenieneses, 62.2), a propósito dos pagamentos de serviço público: «em primeiro lugar, o povo recebe uma dracma para assistir às reuniões ordinárias da assembleia e nove óbolos para a sessão principal». No tratado da Política (1317a 37), o filósofo estagirita afirma que esta é uma das características do regime democrático: «… é de carácter democrático remunerar de modo especial todas as magistraturas, incluindo os membros da assembleia e o corpo de juízes». Neste contexto, deve esclarecer-se que, para Aristóteles, são verdadeiros ou rectos os regimes que buscam o bem comum, que são três, a saber, a realeza (basileia), a aristocracia e o regime constitucional (politeia); destes regimes há três desvios identificados, respectivamente a tirania, a oligarquia e a democracia. Destes três desvios, ele considerava a democracia como o regime menos mau, que mais facilmente se suportaria.
Voltando ao funcionamento da Assembleia e às críticas feitas na comédia de Aristófanes (As Mulheres no Parlamento), damo-nos conta de que a maior crítica vem da percepção do homem comum, que tem este desabafo quando é intimado a cumprir o decreto da Assembleia, que tinha posto termo à propriedade privada, instituindo, em seu lugar, um fundo comum: «Essa malta – murmurava ele – conheço-a eu de ginjeira! Estão sempre no ar para usarem o voto; mas aprova-se uma lei e ninguém cumpre». Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência!
Autor: António Maria Martins Melo
Da Assembleia: críticas ao seu funcionamento

DM
4 novembro 2017