Há alguns anos, quando me encontrava no Tribunal a propósito de uma perícia médico-legal com vista à interdição de uma pessoa da chamada terceira idade, ao tempo em que o processo não tinha a politicamente correta designação de regime do maior acompanhado, travei conhecimento com o perito, um psiquiatra, que me dizia que no início da sua carreira, há mais de 30 anos atrás, as perícias para que o chamavam eram para a interdição de menores que haviam nascido com incapacidade mental. Agora, eram raros estes casos e, ao contrário de antes, era maioritariamente nomeado para casos de incapacidade mental de adultos mais velhos.
Bem se compreende, os avanços da medicina e dos cuidados de saúde tiveram o condão de prolongar a média de vida dos cidadãos, com o consequente aumento das doenças neuro-degenerativas e, simultaneamente, de favorecer o nascimento de bebés saudáveis.
A necessidade de atuar sobre a situação das pessoas com dependência e existindo, segundo cálculos públicos, cerca de 800.000 pessoas que cuidam de familiares dependentes, sejam crianças com doenças graves, idosos ou pessoas com patologias crónicas ou demência, levou a Assembleia da República a aprovar o Estatuto dos cuidadores informais, corporizado na Lei n.º 100/2019, publicada no dia 6 do mês de setembro passado.
Esta Lei tem particular importância, pois assegura direitos aos cuidadores informais que, sem essa Lei, nada teriam, incentivando as famílias a cuidarem dos seus dependentes mas não deixa de ter um alcance limitado, visto que se restringe praticamente a pessoa que necessite de cuidados permanentes, por se encontrar em situação de dependência e seja titular de uma das prestações sociais referidas no artigo 3.º da citada Lei, geralmente prestados na sua habitação ou na casa do cuidador.
O problema é que esse Estatuto apenas abrange uma parte, ainda que significativa, das pessoas que necessitam de cuidados permanentes.
Existem cada vez mais pessoas que, mormente pelo avançar da idade com deterioração física e mental, necessitam de cuidados ao nível de tratamentos de doença, o que exige o internamento permanente em estabelecimentos de saúde com condições hospitalares ou clínicos específicos, além dos casos em que nenhum familiar está em condições de se tornar um cuidador informal.
Neste âmbito estamos a falar dos cuidados continuados e aqui o Estado continua sem mostrar a sensibilidade que se impõe, pois não há verdadeira democracia num regime que não faz por cuidar dos seus mais desvalidos, geralmente os mais velhos que tanto contribuíram para a melhoria das condições de vidas das pessoas que estão atualmente no ativo, além que essa obrigação resulta do disposto no artigo 64.º, n.º 2 da Constituição.
Atentando no concelho de Braga, não existe nenhuma unidade de saúde do Estado que permita acolher doentes nessa situação, existindo apenas um estabelecimento destinado a esse fim, particular, a Unidade de Cuidados Paliativos – Domus Fraternitas, em Montariol, com um número de quartos e camas manifestamente insuficiente para acudir às necessidades dum concelho populoso.
Quem já teve de enfrentar uma situação dessas, sabe que o internamento num hospital ou clínica não é opção economicamente viável, já que acessível apenas às reformas dos banqueiros e pouco mais.
Até há pouco tempo, os beneficiários da ADSE ainda dispunham de condições financeiras para esse internamento, visto que tal instituição assegurava o pagamento da maior parte do valor dos serviços de internamento. Mas uma recente mudança de política da ADSE retirou essa comparticipação, pelo que até os antigos servidores do Estado perderam essa possibilidade.
Se o Estado não quer fazer diretamente a gestão de equipamentos destinados a acolher pessoas que necessitam de cuidados continuados, fará bem em apoiar financeiramente as entidades privadas que estejam em posição de assegurar essa gestão, designadamente as IPSS e, dentro destas, pelo seu know-how e pelas obras a que se dedicam, as Misericórdias.
Autor: Carlos Vilas Boas