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Critérios para a paz…

Por entre a turbulência de transição de ano (civil) vamo-nos preparando para acolher o novo ano. Através da mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz – intitulado: “a boa política ao serviço da paz” – podemos (e devemos) rececionar os desafios ao nosso compromisso de participação nesta tarefa de fazer e de viver a paz. «A paz é fruto dum grande projeto político, que se baseia na responsabilidade mútua e na interdependência dos seres humanos. Mas é também um desafio que requer ser abraçado dia após dia. A paz é uma conversão do coração e da alma, sendo fácil reconhecer três dimensões indissociáveis desta paz interior e comunitária: – a paz consigo mesmo, rejeitando a intransigência, a ira e a impaciência e cultivando «um pouco de doçura para consigo mesmo», a fim de oferecer «um pouco de doçura aos outros»; – a paz com o outro: o familiar, o amigo, o estrangeiro, o pobre, o atribulado…, tendo a ousadia do encontro, para ouvir a mensagem que traz consigo; – a paz com a criação, descobrindo a grandeza do dom de Deus e a parte de responsabilidade que compete a cada um de nós, como habitante deste mundo, cidadão e ator do futuro». Este excerto da mensagem papal coloca-nos (ou deve colocar-nos) questões mais profundas do que as ramificações mais ou menos ideologizadas de entender e de viver os problemas. Tentemos questionar-nos sobre o nosso itinerário para a paz, nessa linguagem de interdependência em que estamos continuamente envolvidos, mesmo sem nos darmos conta: * A paz consigo mesmo – de facto será quase impossível fazer ou viver a paz se esta não estiver adquirida e não meramente pressuposta. Efetivamente não será com recursos exotéricos – reikis ou yogas, espiritualidades ou sessões de terapia duvidosa – que as pessoas irão conquistar a paz e tão pouco a imporão aos outros como placebo anódino. A paz consigo mesmo vem (ou virá) dum coração perdoado e curado pela graça divina e não por trejeitos duns tantos sobre outros mais fragilizados. Há muitas pessoas que não se amam a si mesmas nem se perdoam, mesmo que os seus erros – na linguagem católica, pecados – possam ter deixado consequências sobre a própria pessoa e os outros, particularmente, os mais próximos… O perdão a si mesmo recupera e dá nova força de vida no presente, sobre o passado e para o futuro! * A paz com o outro – esta outra vertente do dom da paz não se esgota em atos de mera cosmética, mas tem de ir ao fundo das questões, vendo o outro como irmão e não como adversário e tão-pouco como inimigo. Há situações em que a não-paz com o outro decorre de mal-entendidos, de interpretações abusivas, de feridas não-resolvidas… nalguns casos na memória do relacionamento entre as famílias. A purificação da memória para viver em paz com o outro exige mais do que boas intenções ou meras palavras de intencionalidade para que outros façam o que nos compete. A paz com o outro pressupõe humildade em que não quer continuar a ser vencedor, mas a aprender a perder para que valores mais significativos se imponham… Enquanto a paz não for prioridade da nossa vida corremos o risco de continuar a enganar-nos com religião e não com vida sincera e aprendida no perdão de mãos dadas a todos, sobretudo a quem nos possa ter ofendido! * A paz com a criação – para além duma qualquer cosmogonia panteísta precisamos de ver, sentir e atuar no entendimento da criação como rosto da beleza de Deus… muito para além o que vemos e daquilo que sabemos ou pensamos saber. Muito para além da “mãe-terra” necessitamos de considerar-nos incluídos na obra da criação de Deus, onde todos e cada um dos seus elementos nos falam de Deus e através deles nos configuramos com simplicidade e gratidão. Como cidadãos da cidade terrestre temos de cuidar da “casa-comum” que Deus nos concedeu habitar, estando atentos às circunstâncias que fazem perigar – a curto e/ou a médio prazo – o ambiente de todos e para todos. Diz-se com alguma razão: Deus perdoa sempre, o homem perdoa às vezes, a natureza nunca perdoa, isto é, as interferências na natureza pagar-se-ão muito caras, sobretudo quando abusamos no seu usufruto e na ultrapassagem da sua exploração. A paz tem critérios. Será que os queremos seguir?
Autor: António Sílvio Couto
DM

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31 dezembro 2018