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«O que começou a existir no tempo» – proclama a Liturgia do Natal – foi «gerado desde toda a eternidade».
O que nasceu do seio de Maria foi eternamente gerado no «seio» («kólpos») do Pai (cf. Jo 1, 18). Ou – na desafiante linguagem do Concílio de Toledo, de 675 – no «útero do Pai» («utero Patris).
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Por conseguinte, o Natal – dizia Santo Agostinho – celebra «o grande e eterno dia, procedente do grande e eterno Dia, que veio inserir-se neste nosso dia temporal e tão breve».
E foi precisamente neste «dia tão breve» que – como já notavam os escritores cristãos antigos – «Um da Trindade Se fez Um de nós».
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Deus não só vem ao encontro do homem, como Ele próprio Se faz homem.
E não Se faz apenas homem; faz-Se homem pobre, homem simples, homem frágil.
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O sinal de Deus no mundo não é a opulência nem a ostentação.
O sinal de Deus – anunciam os enviados do Céu – é um Menino, «envolto em panos e deitado numa manjedoura» (Lc 2, 12).
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Guilherme de Saint-Thierry dá uma explicação lustrosa para tudo isto.
Deus viu que «a Sua grandeza suscitava resistência. Então, tornou-Se Menino; tornou-Se dependente e frágil, necessitado do nosso amor. Agora – diz-nos aquele Deus que Se fez Menino – já não podeis ter medo de Mim, agora podeis somente amar-Me».
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Se Deus Se apresenta assim no tempo é porque – à luz da conformidade entre a «Trindade económica» e a «Trindade imanente» – Deus é assim desde toda a eternidade.
E, na verdade, Deus é desde sempre um mistério de amor, um mistério de dádiva. Ou seja, o Cristianismo não pode «rimar» jamais com egoísmo.
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É que nós não adoramos um Deus ensimesmado, soliloquiando numa lonjura infinita, sem «auditório» ou interlocutor.
Nós adoramos um Deus único, mas que nem sequer é um. Adoramos um Deus em que cada Pessoa está nas outras Pessoas e vive para as outras Pessoas.
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É por isso que o «culto do eu» (a trituradora «ego-latria») é geneticamente incompatível com a fé em Deus e o seguimento de Cristo.
Deus – em Si mesmo e para o mundo – é um contínuo «dar de si», como luminosamente percebeu Xavier Zubiri.
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O Pai «dá-Se todo» ao Filho e ao Espírito Santo; o Filho «dá-Se todo» ao Pai e ao Espírito Santo; o Espírito Santo «dá-Se todo» ao Pai e ao Filho.
E os divinos Três «dão-Se» totalmente à humanidade, criando-a e salvando-a.
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Enquanto «imagem e semelhança» de Deus (cf. Gén 1, 26), cada ser humano é, pois, chamado a ser um incessante «dar de si».
Que, ao contemplar o presépio – e a comovente beleza do Menino desnudado – arrumemos de vez o egoísmo que tanto «empesta» a vida. E ameaça arruinar o mundo!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira