Qualquer semelhança com a realidade não é ilusão. Aconteceram mesmo. E não, não vou apontar todos, porque aqui não caberiam. Apenas alguns, da esfera política, que os outros não interessam, nem a mim nem aos leitores desta coluna.
Não sei se mais alguém sabia, mas Costa sabia. Mais do que o Presidente. Sabia que a Assembleia da República iria ser dissolvida. Sabia quando seria o momento. Não estava nas suas prerrogativas, mas sabia. E na verdade foi ele mesmo, não o Presidente, que determinou a oportunidade. Este foi só o último dos saltos de canguru. Não o fez às claras, mas fez. O Presidente criou o cenário e ele aproveitou. Aproveitou-se. Na verdade, já tinha decidido que aquele seria o momento, só não sabia os pormenores, mas esses não seriam problema diante das vantagens. Eram isso mesmo, pormenores. Sabia até onde queria ir e até estaria talvez disposto a não ir tão longe se fosse posto em causa o seu tempo. O tempo de novas eleições era o dele, não o de Marcelo, da Constituição ou do povo. Conseguiu o que na altura se dizia que não aconteceria, já que o Presidente estaria atento a qualquer veleidade sua. Formalmente, não inverteu as competências, mas o desfecho foi todo preparado e determinado por si. O Presidente não podia deixar de acolher a narrativa de Costa perante o cenário criado. Não que o aluno tenha desautorizado o professor ou que tenha feito deste um pau-mandado, mas que foi aquele que escreveu o futuro da história da crise, isso é verdade. O segundo apenas sancionou a solução. Costa sabia e não foi pela estrela. Ele queria e isso bastou. Nada mais interessou. Que se lixasse o interesse do país e dos portugueses a quem, de facto, interessava que o mandato dos seus representantes fosse até ao fim. Costa tinha-se comprometido com a estabilidade, mas resolveu pular. Compreende-se agora por que não demitiu o ministro Cabrita, apesar das suas muitas trapalhadas. Nem outros dos seus ajudantes também merecedores de férias prolongadas.
Tudo isto é confrangedor. Algo que temos de ter presente na nossa análise. Por exemplo, se Costa sabia como se iam passar as coisas, bem podia ter planeado melhor outras matérias, designadamente, a questão da logística do próximo acto eleitoral e evitar que se criasse a confusão que se instalará nos cidadãos que no final do mês estiverem confinados por causa da pandemia. Lamentavelmente, deu aqui um novo salto marsupial ao pedir um parecer constitucional quando a competência é do seu governo.
O Partido Socialista (PS) e o seu secretário-geral habituaram-nos, desde cedo, aos pulos de canguru, saltando promessas atrás de promessas, sempre que não conseguiam cumprir e a realidade lhes era desfavorável. Ao princípio não se percebeu, mas o uso abusivo do estratagema fez-nos ver mais tarde, e recentemente com mais nitidez, o que já era certo. No fim do último terço de 2019, apesar de terem ganho as eleições, Costa e o PS já estavam fragilizados, ansiando-se mudanças e até a mudança do governo. Chegou a pandemia e entre uma pegada e outra ficou tudo apagado: os incumprimentos, as faltas de planeamento e a responsabilidade pela imagem negativa com que tinham ficado as instituições. Vários outros saltos de canguru foram realizados para esconder as incapacidades e o incumprimento, com desculpas esfarrapadas, como no caso dos computadores que não chegaram às escolas e a desilusão dos quase dez por cento dos portugueses sem acesso ainda a médico de família.
Se voltarmos a dar a Costa o voto nas urnas, vão continuar os saltos marsupiais não patenteados política e eleitoralmente. Com toda a certeza. Quem faz uma vez até pode recuar, mas quem é reincidente, como é o caso, o mais provável é que continue a usurpar o que não é seu e a não cumprir medidas sufragadas, logo, a desconsiderar os eleitores. Perante os abusos, as fraudes e trapaças que se escondem em cada salto desrespeitoso que foi dado, será que lhe devemos dar, ainda assim, o benefício da dúvida no próximo acto eleitoral? Parece-me que será irresponsável da nossa parte se o fizermos.
Autor: Luís Martins