Há décadas que estamos preocupados. Já aqui publicámos sobre este cancro económico, social, político, cultural e mental (F. Braudel), como v.g. de modo mais directo em: 2/14; 10/10/14; 12/12/14; 18/9/15; 22/1/16; 3/3/17; 16/7/17; 2/2/18; 20/4/18; 24/1/20; 10/7/20; 12/11/21. Assim, temos a corrupção num sentido mais restrito e técnico, mas também temos numa perspectiva mais alargada. É comum ver p.e. comentadores nos média que agora também falam sobre corrupção, mas não tendo a necessária formação jurídica, e ainda que involuntariamente, trocam alhos com bugalhos. E, quase sempre, se esquecendo que, repetimos, o grande corrupto é, por vezes, o próprio Estado ou inclusive as “mais insuspeitas e prestigiadas” instituições internacionais públicas, mas também, claro está, privadas ou cooperativas. Veja-se esta notícia sobre a INTERPOL que roça aquilo que de mais tenebroso, mas em simultâneo trágico-cómico, tem a condição humana: “Ahmed Naser Al-Raisi foi eleito presidente da organização internacional de polícia criminal esta quinta-feira. Vindo dos Emirados Árabes Unidos, o novo responsável tem sido alvo de várias denúncias de envolvimento em casos de tortura e detenções arbitrárias”, v.g. RTP, 25/11/21. Ou esta em relação à forma como o Qatar ganhou a organização do mundial de futebol 2022 ou tratou os milhares de trabalhadores que ajudaram a construir os seus estádios, Amnistia Internacional, 26/8/21: “As autoridades qataris falharam em investigar as mortes de milhares de trabalhadores migrantes ao longo da última década…”; ou em 10/3/19: “Mundial 2022. Acordo de 700 milhões entre FIFA e Qatar 21 dias antes do anúncio oficial / ‘The Sunday Times’ revela acordo entre FIFA e o canal televisivo Al Jazeera, controlado pelo emirado, 20 dias antes do anúncio da organização do Mundial pelo Qatar”. É caso para perguntar se também já está decidido pelas casas de apostas quem vai ser o Campeão Mundial 2022?! E em Portugal, o que é mais urgente? 1º Acabar com a morosidade cancerígena nos processos judiciais e na Justiça lusas de modo a cumprir o prazo razoável de que nos fala o art. 20º da Constituição (estamos a falar de processos p.e. em Direito Administrativo que demoram 10-15-20 anos, ou mais e de como isso inibe os cidadãos de interporem acções judiciais contra o Estado e/ou Instituições Públicas, e das sistemáticas condenações de Portugal no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por tais demoras: RECORRAM, pois tem sido sinal de esperança para um certo Portugal em putrefação; ou do célebre processo “Marquês/Sócrates”, o qual ainda está na “Instrução e seus recursos” passados quase 7 anos, i.e., ainda não começou o julgamento, em prejuízo também de milhões de euros para os contribuintes nos custos da Justiça!); 2º Constitucionalizar a criminalização do enriquecimento injustificado e/ou ilícito ou pelo menos permitir a necessária, adequada e proporcional, gradativa, mas rápida e eficaz, apreensão, eventualmente extra-penal, de todas as vantagens sem uma justificação legal (qualquer inversão do ónus da prova só pode ser feita fora do Direito e Processo Penal que é Direito Constitucional); 3º Ter uma ambição política-pragmática de acabar com quaisquer tipo de crimes ou de torná-los praticamente inexistentes, quer por meio da prevenção geral e especial positivas, quer de uma retribuição mais substancial em termos quantitativos como será o caso de penas mais elevadas, mas também qualitativos, adaptando a retribuição inclusive ao tipo de crimes como fazem muitas Democracias no mundo: e aqui se incluem v.g. tratamentos hormonais, muitas vezes voluntários, para abusadores sexuais; 4º Criar legislação clara em termos de contagem dos prazos de prescrição de modo a não permitir interpretações, elas mesmas, corruptas-“andróginas”; 5º Melhoria do estatuto de intercepção nas comunicações e agentes infiltrados; 6º Melhoria do estatuto de denunciantes ou whistleblowers com mais recompensas; 7º Melhores prémios e mais condecorações para Autoridades que têm êxito contra a corrupção. Continua.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira