Para poupar tempo a quem me lê, começo por desvendar a resposta a que fui levada pelas minhas investigações: o Homem tem corpo para amar e ser feliz para sempre de modo glorioso. Para quem puder ler um pouco mais, passo a explicar-me.
No seu livro “A Liberdade Vivida com a Força da Fé” (pg. 195), Jutta Burggraf conta a experiência que Frederico II, rei da Prússia, fez. Ao constatar que as crianças inglesas falavam inglês, as francesas falavam... perguntou a si próprio qual seria o idioma “natural” do homem.
Para o descobrir, ordenou que se recolhessem três recém-nascidos abandonados para serem criados com esmero por enfermeiras que estavam proibidas de falar, sorrir ou olhar para os bebés. As crianças nunca falaram e, com a passagem do tempo, iam-se debilitando e todas acabaram por sucumbir.
As pessoas necessitam de amar e ser amadas, e é através do corpo que manifestam e usufruem essa sublime qualidade do seu espírito: ser capaz de amar.
É graças ao corpo que comunicamos, seja pela palavra, pela escrita, por gestos ou ações, por um sorriso, por uma carícia... por um simples olhar. Eis como se reconhece e manifesta a dignidade de cada ser humano: amar e ser amado.
Porém, o nosso corpo tem limitações e nem sempre consegue corresponder aos compromissos de amor do nosso espírito. Quantas vezes nos comprometemos a participar numa festa à qual “iremos de certeza”, mas uma doença súbita nos impediu de estar presentes. No entanto, é precisamente nos momentos de maior cansaço e dor que o amor cresce e se torna mais patente, heróico até.
Pensemos, por exemplo, nos soldados, nos pais que trabalham mais horas porque lhes nasceu mais um filho, nos doentes que oferecem as suas dores e medos pela conversão dos pecadores. Nos momentos em que o corpo sofre, a alma é livre de escolher entre a aceitação e a revolta; entre a generosidade e o egoísmo; entre a humildade e a soberba; entre a Vida e a morte.
O Homem vive constantemente o mistério da unidade entre o seu corpo e o seu espírito. Parece que o pecado original foi cometido pelo corpo: colher uma maçã e comê-la; mas o corpo serviu apenas de meio para desobedecer a Deus. Aconteceu exatamente o contrário com o “Fiat” de Maria no momento da Anunciação: o seu corpo serviu de meio para obedecer.
O mistério torna-se “mais misterioso” ainda, no caso de Jesus Cristo, Deus e Homem verdadeiro. O próprio Deus quer ter corpo, para quê? S. João Crisóstomo escreve1“Cristo veio ao mundo para reconciliar com o Pai a nossa natureza”. O pecado original cometido por toda a humanidade existente no princípio do mundo – Adão e Eva – ofendeu Deus e manchou toda a humanidade até ao fim do mundo.
A ofensa necessitava de uma reparação por parte da humanidade, mas a humanidade era incapaz de satisfazer tal reparação. Só o próprio Deus tem capacidade para reparar uma ofensa feita a Si. Mas Deus ama a humanidade e prometeu-lhe enviar um Salvador. Jesus é esse Salvador. Tomou corpo de perfeito Homem para poder assim manifestar, no seu corpo, a imensidade do amor divino.
Pela sua paixão e morte, Jesus, como Homem, manifestou o amor da humanidade a Deus, pois sofreu e morreu como homem para reparar todos os pecados de todos os homens. Jesus, como Deus, manifestou a imensidade do amor de Deus pelos homens.
A barreira que existia, entre a natureza humana e a divina, desapareceu no corpo sofredor do Filho de Deus. Esse corpo, verdadeiramente humano e morto, ressuscitou glorioso, pelo poder do próprio Jesus.
É essa a resposta à pergunta que surge no título deste texto. O nosso corpo serve para amar sofrendo até ao momento da morte e, depois, ressuscitar e viver glorioso para sempre.
O corpo de Jesus serviu para Deus se fazer homem. Depois da Última Ceia, o Corpo de Jesus serve para o homem se fazer Deus.
Autor: Isabel Vasco Costa