Achei-o de semblante tristonho. Recordava-se de mim. E continuava a manifestar o seu assombro por eu ter oito irmãos. Perguntei-lhe pela vida. Respondeu-me que houvera grandes alterações, muito desagradáveis. Não, felizmente com ele, que tinha o doutoramento bem encaminhado, mas com seus pais.
Tentei não manifestar muita curiosidade, já que notei no seu rosto alguma sombra de tristeza.
“Aconteceu no pior momento da minha vida. Tornou-a mais dura e difícil, sobretudo porque com as exigências do meu doutoramento, necessitava de calma e bom ambiente à minha volta. Mas enfrentei a realidade e estou a sair-me bem”.
Não pretendia ser indiscreto. No entanto, notava que o meu interlocutor queria acrescentar mais qualquer coisa. Com certa prudência, perguntei se havia alguma doença do pai ou da mãe que o preocupasse.
Desabafou: “Como lhe disse, os meus pais estavam – e estão! – divorciados. O companheiro da minha mãe, que eu admirava tanto, de repente, enveredou por um novo horizonte afectivo... E seguiu-o, terminando a sua ligação com minha mãe, que ficou num estado depressivo profundo...”
“Ah! Compreendo, agora o meu amigo tem de lhe dedicar muito tempo em casa, prestar-lhe mais atenção...”
Não pude terminar: “Eu tenho de fazer o meu doutoramento!... Claro que não deixei a minha mãe ao desamparo. Internei-a numa clínica psiquiátrica, onde recebe todos os cuidados adequados... De vez em quando, vou visitá-la. Está em muito boas mãos. Há psiquiatras e psicólogos que lhe dão a maior atenção de que precisa e é científica...”
Timidamente, perguntei se o pai contribuía com algum apoio, ao menos material, apesar da situação de separação da mãe em que vivia. Irritou-se, a sua cara ficou tensa. “Não me fale dele! É para esquecer...”
Fiquei sem saber se devia perguntar algo mais ou... “O meu pai vive para a senhora que o conquistou e para os dois filhos que ela já tinha... Começou por se tornar difícil visitá-lo, trataram-me com certo desprezo, mostrando bem que a minha presença não era apreciada. O meu pai ficava bloqueado... Enfim, a chama foi-se apagando e deixei de o ver e de o contactar... Quando quiser estar comigo, que mo diga! Não quero preocupar-me com isso... O doutoramento exige uma certa calma e não turbulência afectiva, que é muito incómoda e perturbadora...”
Não fiz comentários. Dava-me pena o que ouvia...Perguntou-me: “E como se encontra, Sr. Padre, a sua família multitudinária... Estão todos bem?” Tive de lhe responder que não. Tanto mais que, além de “multitudinária”, os seus membros já haviam chegado à terceira idade, o que implica que surjam problemas de saúde inevitáveis e nem sempre fáceis de resolver.
“Quantos vivem em lares de idosos?” Devo ter manifestado assombro e espanto, porque me olhou com uma certa perplexidade. “Nenhum. Dois que estão mais debilitados vivem na antiga casa de meus pais e são atendidos por irmãos ou irmãs que se revezam, na atenção que é necessário dedicar-lhes...”
“E se precisam de médico?”, inquiriu. “Chama-se um médico – observei –, como é natural”.
“E se necessitam de internamento?” “Já aconteceu várias vezes – assenti. São internados e quando melhoram e se encontram em condições mais favoráveis, voltam para casa...”.
“O que me diz é muito interessante... Mas só é concretizável, quando há irmãos...” Deixou de fazer perguntas. Ficou pensativo. E lá nos despedimos. Suponho que o meu interlocutor foi tratar do seu doutoramento, que tanto e tanto o preocupava.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva