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Conselhos a um jovem desempregado

E como chegar lá, me pergunta: fazendo tarimba, muita tarimba; mas, se tiver um padrinho ou madrinha a coisa é muito fácil e rápida; todavia, se mesmo assim levar tempo a lá chegar, não desanime, porque um político tem de ser teimoso e o fundamental é convencer-se de que muitos dos que já lá andam são piores, muito piores do que você, só que, talvez, tiveram mais sorte ou... lata. 

Depois é fundamental não começar por baixo, seja ambicioso e sonhe alto, pois só vale a pena ser político, quando se manda ou dirige; que isto de presidente de uma junta de freguesia ou secretariozeco de qualquer secção partidária não dá para feijões; e para tal, atire-se de cabeça (para isso é que existem os capacetes), especializando-se na arte de bem falar, mesmo que diga pouco ou mesmo nada; porque o povo é fácil de levar na pandeireta e, se reparar, as picaretas falantes (António Guterres, Passos Coelho, Durão Barroso e José Sócrates, por exemplo) são os que mais longe chegam e mais alto sobem. 

Depois, nisto de política não se pode ser pobre a pedir; e, como tal, se não lhe calhar na rifa o parlamento europeu e tiver de ficar pelo nacional, já é muito bom: vencimento de não deitar fora, subsídios de transporte e habitação, refeitório baratinho e cinco estrelas, reforma avantajada e, com sorte, ainda abicha uma subvenção vitalícia; então, vale a pena ou não o sacrifício? 

Ora, dir-me-á, mas, sendo sete cães ao osso, como posso lá chegar? Primeiro que tudo, tem de se inscrever num partido político e, de preferência, com quotas de militante benemérito; e, sobretudo, deve procurar um que esteja na mó de cima e lhe dê garantias de trepar depressa e bem, nem que seja às cavalitas ou aos rebolões. 

Deixe as pantufinhas, o sofá e os preconceitos, encha a peitaça de ar, faça das tripas coração ou do coração tripas e apareça sempre no sítio certo à hora certa; e dê sempre umas bocas, não falte nunca às reuniões de estratégia e esteja sempre a par das últimas do chefe; procure dar nas vistas, nem que seja pelas asneiras que diz, porque o importante é estar na berra; e, muita, muita aldrabice que é na aldrabice que os políticos se entendem e o partido se afirma. 

Depois, é tudo uma questão de força, quando chegar a hora de dar uns encontrões bem dados para passar à frente, afastando os concorrentes diretos; e nunca se esqueça de dar graxa, passar bem a escova e bater palmas, muitas palmas, mesmo que não saiba bem porquê; igualmente tem de representar alguém ou alguma coisa: trabalhadores, donas de casa, intermediários, carenciados, senhorios... e nem que seja só o povo da sua rua ou bairro, mas ser porta-voz de algo é fundamental. 

E também muito esmero com o visual: fato de bom corte e padrão, gravata italiana e sapato engraxado; e, nos seus discursos, o povo deve estar sempre nas suas intenções e falas, do género: o povo é que sabe o que quer, o povo sabe bem quem está do seu lado, o povo sabe sempre quem lhe fala verdade. 

E quando surgir a primeira campanha eleitoral, é o momento certo de mostrar o quanto pode e vale, de mostrar a sua raça; e, por isso, cole cartazes, pinte murais, desfralde bandeiras, instale um altifalante no tejadilho do latinhas e saia para a rua espalhando aos quatro ventos palavras de ordem, apelos ao voto no partido e que o hino do partido soe bem alto; e dê a cara e o resto, insista forte na sua imagem de futuro animal político. 

Não se esqueça, porém, que o mais importante é não ter ideias próprias, mas pensar pela cabeça do chefe; e, sobretudo, colar-se bem, não fazer ondas e gastar latas e latas de graxa; porque, uma coisa, em política, é certinha: o povo que o vai pôr no poleiro pouco se importa que você seja o Zé da Esquina ou o Tónio da Micas, surdo-mudo ou mirolho, quadrado ou oblíquo; porque ele vota no partido, não vota em si; e, muito menos, pode riscar o seu nome do boletim de voto ou da lista de candidatos. 

Vê, meu amigo, afinal a coisa até é fácil e não é preciso ser nenhum suprassumo de nada; porque, se assim não fosse, muito poucos lá chegavam e dificilmente por lá se aguentavam; em política, ser certinho e direitinho é canseira que não agrada e, muito menos, dá proveito. 

Vá lá, decida-se que a hora é sempre boa e a maré sempre está vasa; porque o povo parece não se cansar nunca desses bonifrates e títeres que entram na política de pé rapado e dela saem calçados e bem calçados; e a fazer jus à máxima estalinista que diz: se não aproveitas, outros há que o fazem por ti. 

Agora, não diga que o não avisei, sobretudo, quando vê e lamenta como eles se vão instalando bem na vida e vivem à grande e à francesa; e à nossa custa. É ou não é? Claro que é. 

Então, até de hoje a oito. 


Autor: Dinis Salgado
DM

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24 maio 2017