Na noite da passada terça-feira, tive o enorme prazer de assistir no Altice Forum Bragaa uma notável conferência do Cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, no Vaticano, sobre o tema “a fé pensada como ponte entre religiões, culturas e povos”.
Quer pela personalidade e mérito do orador – que ouvi pela primeira vez em Roma, há nove anos, numa intervenção que fez durante a XXV Conferência Internacional organizada pelo Pontifício Conselho para os Operadores de Saúde, precisamente nas vésperas de ter sido criado cardeal por Bento XVI – quer pela oportunidade e pertinência do tema proposto, tive a clara intuição de que seria um privilégio voltar a ouvir o eminente académico, humanista e comunicador e de que seria pessoalmente enriquecedor conhecer o seu sábio pensamento sobre a matéria em apreço.
Numa linguagem simples e enxuta, recheada de exemplos e de inúmeras citações bíblicas, filosóficas e científicas, tanto de autores clássicos como de contemporâneos, Gianfranco Ravasi foi persuadindo a audiência de como o magistério da fé, na sua diversidade e complexidade, permite a celebração de um mundo variado, com múltiplas identidades, em contraposição com soberanismos, integralismos e nacionalismos que defendem uma identidade única, negam a harmonia global e destroem a vocação social e universal do homem.
A propósito da relação entre fé e pensamento, discorreu sobre o que considera os seus quatro pontos cardeais – conhecimento, palavra (logos), diálogo e verdade/natureza humana –, que densificou de forma sumária, mas clara e superior.
Com efeito, falou sobre as múltiplas maneiras de conhecer, desde a razão aos sentidos, passando pela emoção e pela estética (poesia, música, pintura e arte em geral) e de como os magistérios da ciência e da fé, estando em planos distintos e não sendo sobreponíveis, nos proporcionam uma visão harmónica, “tornando o conhecimento como um arco-íris”.
Dissertou sobre a “potência da palavra”, não da degenerada, grosseira e violenta que tantas e tantas vezes inunda as redes sociais, ferindo pessoas, crenças e instituições. Mas da palavra escorreita, certa e pacífica, que engrandece o homem. E também sobre o alto valor das parábolas e das imagens que estimulam e facilitam os actos de conhecer e compreender.
Aludiu, depois, ao valor do diálogo, como “encontro de duas palavras diferentes entre si, que se escutam”, enfatizando o carácter básico desta escuta recíproca num mundo multicultural e incitando a uma atitude proactiva, que combata a apatia, a indiferença e a névoa.
E defendeu, por último, a busca incessante da verdade que nos precede e nos supera, na linha da afirmação de Platão de que “uma vida sem busca não merece ser vivida”. E ainda que “o projecto do homem é ser peregrino, com a sua livre procura, no interior do absoluto da verdade”.
A par disso, focou o conceito de natureza humana, para concluir que o imperativo moral dela decorrente deveria ser reconstruído com base na figura universal do “próximo” e pela lógica do amor na sua reciprocidade, mas também na sua gratuidade e doação, acrescentando que no “próximo”, como sugeriu Paul Ricoeur, terá de envolver-se a humanidade inteira.
Neste sentido, ficou a perceber-se a razão por que o ilustre conferencista intui na fé uma fonte capaz de unir religiões, culturas e povos e nos incita a estarmos inquietos na busca do saber, do conhecer, do dialogar e do compreender, na certeza de que só esta inquietude poderá trazer ao mundo a tranquilidade e a paz desejadas.
Quero, por isso, felicitar sua eminência e dizer-lhe que tenho como graça a oportunidade que tive de o voltar a escutar.
Felicito, igualmente, a Câmara Municipal de Braga, a Universidade Católica Portuguesa, pólo de Braga e a Idioteque, organizadores do evento que teve no Altice Forum Bragaum bonito e bem preenchido cenário, e a Sinfonieta de Braga que, no final, brindou a assistência com interpretações de enorme qualidade.
Autor: António Brochado Pedras