A presente – e ameaçadoramente duradoura – pandemia está a montar uma espécie de «orfanato» sem fim.
Sentimo-nos órfãos de pessoas que partiram e que fomos impedidos de acompanhar. E também órfãos de gestos que estamos impedidos de ter. Não poucos mostram-se até órfãos de alguma esperança, que parece ter migrado para não sabemos onde.
Já se vislumbrava que esta situação seria tremendamente difícil. Quem imaginava, porém, que ela fosse tão cruelmente dolorosa?
Encontramo-nos como que tolhidos e encolhidos. Os nossos movimentos apresentam-se tortuosos e fortemente condicionados.
Não estamos à vontade em nenhum local. Podemos constituir uma fonte de perigo para os outros.
Por muito cuidado que tenhamos, basta um levíssimo deslize para sermos aprisionados pelas «malhas» do COVID.
De repente, aparecemos padronizados. As máscaras e as distâncias – o que mais nos pode proteger – estão a nivelar o nosso rosto e a padronizar os nossos comportamentos.
Esta «orfandade» de proximidade não pára de sulcar sequelas profundas.
Dizem-nos que todo o contacto envolve um risco. Assim sendo, nada de estender uma mão nem de oferecer um abraço.
Há quem esteja a sofrer pluriformemente. O mundo aparenta ter-se transfigurado num dantesco «orfanato» afectivo. Até quando?
Tudo é efémero e limitado. Mas não nos deixemos «degolar» pela desesperança.
Afinal, diante de Deus não precisamos de cultivar distâncias nem de apor adereços como as máscaras.
Como já tinha notado Santo Agostinho, Deus é mais interior a nós mesmos do que nós próprios.
Ele é, pois, o nosso interlocutor constante. Embora, muitas vezes, esquecido e negligenciado.
Perante Deus, não carecemos de máscaras. O Seu «contágio» é benigno, benévolo e motivador. Em relação a Deus, temos de sair de nós. Mas nem sequer é preciso sair de casa.
Deus nunca está confinado. Em Seu Filho Jesus, está presente em todo o ser humano. Ele posiciona-se – sobretudo nesta hora – como médico e medicamento, como cura e curador, como salvação e salvador.
No Seu amor, Ele cobre-nos com doses de ânimo sem termo. Por conseguinte, não estamos «órfãos», mesmo que nos vejamos em perigo.
O teólogo Eberhard Jüngel verteu que «quanto maiores são as adversidades, tanto maiores são também as possibilidades».
É fundamental ter cuidado e é indispensável cuidar. Mas não vogamos à deriva, ainda que a «tempestade» seja avassaladora.
Deus liberta-nos de todas as amarras e acompanha-nos em todos os momentos. Sem distâncias e sem máscaras!
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira