“ De Guimarães o campo se tingia
Co´o sangue próprio da intestina guerra
Onde a mãe, que tão pouco o parecia,
A seu filho negava o amor e a terra.
Com ele posto em campo já se via;
não vê a soberba o muito que erra
Contra Deus, contra o maternal amor;
Mas nela o sensual era maior.”
Lusíadas : Canto IIII, 31
“Era de 1166 (1128 da era cristã) : no mês de junho, festa de S. João Batista, o ínclito infante Afonso travou com eles, indignos estrangeiros da nação, combate no campo de S. Mamede, próximo do castelo de Guimarães .Venceu-os e prendeu-os na sua fuga…” (In “Crónica dos Godos”- doc. dos fins do sec. XII).
Num feriado apenas municipal, os vimaranenses comemoram mais um aniversário da Batalha de S. Mamede, considerada como o primeiro ato da Fundação de Portugal, já que a derrota do infante Afonso representaria a perda, sem remissão, da causa nacional.
Em escritos anteriores recordei a figura de D. Afonso Henriques como militar e político, abordando ainda as várias tentativas para a sua canonização: “pio, beato e santo”. Agora, nesta comemoração aniversária, pretendo recordá-lo no âmbito da diplomacia, junto da Cúria Romana.
O Vaticano foi o primeiro Estado a reconhecer Portugal como uma nação independente. Tal facto deve-se a D. Afonso Henriques e à sua diplomacia. Na verdade, além de um exímio militar e político, D. Afonso Henriques foi também um excelente diplomata. Na tentativa de evitar laços de vassalagem pretendidos por Leão e Castela e obter a garantia e consolidação do Reino, o nosso primeiro monarca promoveu imensas diligências no sentido da constituição de uma vassalagem ao Papa Inocência II, o que fez em 1143, nas mãos do Cardeal Guido de Vico, encomendando o território português a S. Pedro e à Igreja Romana.
Documentando esse ato de enfeudamento, enviou ao Papa a carta “Claves Regni Coelorum”, prometendo um tributo anual de quatro onças de ouro, mas pondo como condição de “gozar da proteção papal, para si a para a dignidade e categoria de reino e não reconhecer qualquer senhorio espiritual ou temporal, exceto o Papa e seus delegados. Na conquista do reconhecimento papal da independência do reino, D. Afonso Henriques teve a ajuda preciosa do arcebispo de Braga, D. João Peculiar, considerado por alguns autores como seu ministro de negócios estrangeiros.
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Afonso Henriques promoveu, simultaneamente, a constituição de uma Igreja nacional dependente da primazia bracarense e não de Toledo. Nessa altura, a Cúria Romana dava a D. Afonso Henriques o título de “dux”. Apenas em 1179, no pontificado de Alexandre III, é que a existência do reino de Portugal e a dignidade real de D. Afonso Henriques foram reconhecidas pela bula “Manifestis Probatum”, emitida a 23 de maio daquele ano. Por este diploma, o Papa Inocência III, “considerando D. Afonso Henriques “pessoa provida de prudência e dotado de justiça e idóneo para um governo de um povo, aceita-o, e aos seus sucessores, sob a proteção papal e de S. Pedro, com a dignidade do reino, com todas as terras que, com o auxílio da Graça Celeste, ganhar aos sarracenos…”
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Em conclusão, dir-se-á que, na procura de um dia para comemoração da Fundação de Portugal, essa data só pode ser o dia 24 de Junho, como insistentemente tem sido defendido pela GRÃ ORDEM AFONSINA, associação sediada em Guimarães.
Autor: Narciso Machado