Curiosamente, o caso que referi saltou para a comunicação social quase em simultâneo com a realização das 5ªs Conferências do Estoril, em que um dos temas específicos foi justamente o combate à corrupção, abordado por um painel que teve como intervenientes os quatro magistrados que mais se têm distinguido na luta contra a corrupção em Portugal, Espanha, Itália e Brasil: Carlos Alexandre, Baltazar Garzón, Antonio Di Pietro e Sérgio Moro.
E também quando a juíza Manuela Paupério, na qualidade de presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses – instituição que integra o grupo de trabalho para o “Pacto para a Justiça” –, tornou públicas declarações segundo as quais a “colaboração premiada”, em moldes semelhantes aos da delação premiada que vigora no Brasil, constará da proposta final, como medida que gerou grande consenso no seio do grupo, apesar da discussão não estar ainda terminada.
Ora, não obstante não terem sido elaboradas as conclusões daquelas conferências, foi conhecida, em todo caso, a síntese do referido debate. E um dos pontos em que houve consenso entre os referidos quatro convidados foi o facto de serem favoráveis à delação premiada, nos casos de corrupção.
Perante o problema ético de premiar um criminoso, todos eles preferem a solução pragmática de utilizar os criminosos contra os seus comparsas e conseguir condenações que de outro modo se não obteriam. Tendo em conta os valores fundamentais da credibilidade da democracia e da salvaguarda da economia e das finanças públicas, nenhum entende que tentar chegar a um acordo com um dos intervenientes num acto de corrupção para descobrir a verdade material seja algo capaz de pôr em causa, de forma intolerável, um dos grandes princípios do Estado de Direito – a presunção da inocência –, tanto mais que, no caso da corrupção, não há maior ofensa a esse mesmo Estado e à democracia do que a incapacidade de aplicar uma justiça célere e eficaz.
De facto, uma justiça que não é capaz de punir os criminosos de colarinho branco e que, objectivamente, protege os mais poderosos, por não dispor de leis e instrumentos que facilitem o escrutínio dos corruptos, representa a sua própria negação.
É claro que há quem pense de forma diferente, por exemplo a Ordem dos Advogados que, através do seu bastonário, garantiu estar contra a introdução, na legislação penal portuguesa, da colaboração premiada, alegadamente por “comportar sérios riscos para a segurança e certeza jurídica”, citando, em abono desta tese, o conhecimento de situações no Brasil em que se terá chegado à conclusão que as delações eram falsas. E também o facto de a lei prever já “a especial atenuação da pena” para quem colabore com a justiça e com os investigadores e, ainda, a celebração de acordos de sentença entre o arguido e o Ministério Público.
Todavia, é facto que, apesar da actual legislação penal conter algumas virtualidades que podem ser exploradas para compensar quem colabore com a justiça, não têm sido conseguidos resultados práticos assinaláveis na perseguição da corrupção e no combate ao terrorismo e ao crime organizado, em contraponto com o que tem sucedido no Brasil, Alemanha, França, Itália e Estados Unidos, onde o instituto da delação premiada tem consagração legal.
Por tudo isso, havendo necessidade de fazer mudanças urgentes e procurar soluções para o futuro, estou persuadido que a adopção da “colaboração premiada”, rodeada de todas as cautelas de uma indispensável investigação que vise concatená-la com os demais meios de prova (pericial, documental, testemunhal, etc.), será um dos caminhos apropriados para combater eficazmente a corrupção.
Autor: António Brochado Pedras