Acompanhada do filhote, seis frágeis anos, abeira-se da máquina multibanco encrostada na parede de um prédio, insere o cartão, digita o código e seleciona a operação a fazer; e a máquina emite o sinal sonoro caraterístico de operação em curso, expedindo o dinheiro solicitado.
Então, o petiz ao ver as notas a sair da boca da máquina e a ser recolhidas pela mãe, inquire curioso:
- Ó mãe, o dinheiro sai da parede?
- Não, meu filho, um dia vais perceber como é.
Os anos passam e o João, depressa, compreende que para tirar dinheiro da parede é preciso tê-lo num banco; e, agora, já adulto e com família constituída, usa e abusa do cartão multibanco e, porque vive com dificuldades económicas, recorre com frequência ao crédito bancário.
Pois é, o João, de acordo com alertas recentes da Organização de Defesa do Consumidor (DECO), pertence aos milhares de famílias portuguesas que estão sobre-endividadas; e isto porque não conseguem responder aos compromissos assumidos, o que, em termos populares significa andar com as calças na mão ou seja com uma mão à frente e outra atrás.
São várias as causas conducentes a esta situação; mas, a mais evidente é, sem dúvida, o nosso sistema económico que permite e incentiva mesmo as facilidades de recurso ao crédito por entre promessas de horizontes cor-de-rosa, do dinheiro fácil, de tempos de vacas gordas; e, depois, a política e os políticos que nos têm governado, sempre na mira dos votos e, consequentemente, na conquista do poder, nunca falam em apertar o cinto, em cortar nas despesas, em acautelar o futuro, empurrando, assim, o povo, dada a sua frouxa mentalidade e parco raciocínio, para o endividamento fácil e para o consumo excessivo e supérfluo, na esperança de que quem vier atrás que pague as favas e feche a porta.
E mais: os maus exemplos da desbunda resultante das falências de bancos, das fugas ao fisco, das lavagens de dinheiro e do branqueamento de capitais por parte de banqueiros, gestores úblicos, políticos e outros figurões levam a que os menos responsáveis, laxistas e gastadores, entendam, como o sapateiro de Braga que ou comem todos ou haja moralidade; e, sobretudo, que sempre virá um perdão fiscal ou algum governo que tape os buracos e que, no fundo, o faz sempre à custa dos cidadãos honestos, responsáveis e económicos que não esbanjam, nem vivem às custas e às costas dos outros.
De muito novo aprendi e sigo como norma de conduta de vida o princípio de que não devemos gastar nunca mais do que o que temos, por exemplo gastar 100 euros quando apenas temos 50 euros, mas, sim, o contrário; e o que, em termos de economia doméstica, se traduz na evidência de gastar sempre a contento e de acordo com as necessidades e não à tripa forra, ao desbarato, sem olhar a meios, como acontece com muitas famílias que pedem dinheiro aos bancos para gozar férias, fazer festanças, comprar carros topo de gama e roupa de marca e, até, ir comer fora aos fins-de-semana, sistematicamente.
Hoje, as condições precárias de trabalho, o desemprego, os baixos salários, a falência de empresas, o sistemático aumento de impostos, os atrasos no pagamento de salários a perda de rendimentos devido a baixas médicas, de reduções de horas extraordinárias e comissões são fatores presentes no endividamento das famílias; como o são igualmente as ideias de igualitarismo que foram incutidas na cabeça do povo, através das teorias marxistas-leninistas que dizem a cada qual segundo as suas necessidades e de cada qual segundo as suas capacidades, criando a ilusão nas mentes menos pensantes e mais obtusas de que não mais haverá ricos e pobres, porque todos somos iguais.
Daqui naturalmente resultam a pregação e a imposição dos valores e práticas do materialismo, do relativismo, do consumismo e do hedonismo numa permanente lavagem ao cérebro; e, então, fácil se torna a adesão do povo ao slogan de que não deixes para amanhã o que podes gastar e gozar hoje; tal e qual como na ética e na ótica do conde de Abranches que, após a batalha de Alfarrobeira, incita os vencedores dizendo: é fartar vilanagem.
Então, até de hoje-a oito.
Autor: Dinis Salgado