Desde 2002 que a Coligação Mundial Contra Pena de Morte, da qual a Amnistia Internacional (AI) faz parte, promove todos os anos, a 30 de novembro, a iniciativa da Comunidade de Sant’Egídio designada “Cidades para a Vida - Cidades Contra a Pena de Morte”. Esta iniciativa pretende distinguir o dia da abolição da pena capital pelo primeiro Estado europeu, o Grão-Ducado da Toscánia, em Itália, no ano de 1786.
Neste data (30.11.17), as autarquias e outras instituições de todo o mundo, aderentes a esta iniciativa, iluminam um edifício público ou um monumento histórico em sinal de condenação pela aplicação da pena capital.
A AI lançou uma campanha para comemorar os 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal para os crimes civis (1 de Julho de 1867). Esta efeméride irá ser também celebrada, em dezembro, pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT) e pela Assembleia da República, através de uma publicação conjunta de uma “Edição comemorativa dos 150 Anos da Abolição da Pena de Morte em Portugal”, com textos de várias personalidades e a transcrição das sessões do Parlamento que levaram à aprovação do decreto da abolição, bem como uma reprodução fac-similada do mesmo. No Colégio da Trindade, em Coimbra, encontra-se uma exposição sobre o tema, aberta ao público até ao fim de outubro e daí parte para uma iitinerância nacional.
Em 22 de abril de 1846 terá sido executado, em Lagos, o último homem. Não faltam relatos do sofrimento físico e desumano causado pelas execuções, essa selvajaria chamada pena de morte. Veja-se, por exemplo, o que ocorreu a 24 de novembro de 1845, com uma execução ocorrida em Tavira.
José António Domingues, com 22 anos, havia sido condenado à morte por enforcamento pelo homicídio de três pessoas, ficando a estremecer na corda durante 15 minutos. Quando finalmente foi dado como morto, o corpo foi retirado do patíbulo e levado para o cemitério. Três meses depois, José Joaquim Matos, ex-juiz, relatava na Revista Universal Lisbonense o que se havia passado nessa execução: “no cemitério as pessoas aperceberam-se que Domingues ainda respirava.
Deu-se parte à autoridade judicial e, enquanto se resolvia o que convinha fazer naquela naquela delicada conjuntura, houve tempo de verificar pela observação de imensa gente que o justiçado ainda estava vivo, porque continuava cada vez a respirar melhor, forcejava por desprender-se da corda que lhe atava os braços, conservava todo o brilho natural dos olhos e até fazia esforços para responder quando o chamavam pelo nome...” “Passado por todo o bárbaro processo do suplício, o que levou um bom quarto de hora, o condenado esteve quase duas horas a lutar desesperadamente, até que um tiro mandado dar por mão do carrasco lhe cortou para sempre a vida”.
São conhecidos centenas de casos em que inocentes foram executados e outros tantos libertados após terem passado vários anos a aguardar a execução.
Em Portugal, o Parlamento pôs fim a estes horrores. Assim, em 10 de março de 1852, os deputados Rodrigues Cordeiro (por Leiria) e Mendes Leal (por Aveiro) apresentaram uma proposta de aditamento ao artigo 16º do Ato Adicional à Carta, abolindo a pena de morte para crimes políticos. Aí se iniciou um amplo processo de discussão entre juristas com propostas e contrapropostas. Porém, foi Barjona de Freitas, ministro da justiça e professor em Coimbra, quem expôs, na sessão de 28 de Fevereiro de 1867, a proposta de reforma penal, contendo a abolição da pena de morte.
Vale a pena registar os fundamentos da sua proposta: “a pena paga o sangue com sangue, mata, mas não corrige, vinga, mas não melhora, e, usurpando a Deus as prerrogativas da vida e fechado a porta ao arrependimento, apaga no coração do condenado toda a esperança de redenção e opõe à falibilidade justiça humana as trevas de uma punição irreparável”.
O movimento para a erradicação da pena de morte no mundo está em marcha e o trabalho da Amnistia Internacional continua a ser vital para este processo.
(1) Membro da Amnistia Internacional.
Autor: Narciso Machado
Cidades contra a pena de morte
DM
29 novembro 2017