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Christian Boltanski, um dos maiores narradores contemporâneos

A morte de Christian Boltanski, um dos mais significativos artistas plásticos contemporâneos, no dia 14 de Julho, foi amplamente noticiada na imprensa com uma quase unânime referência a um tema forte da sua obra: a memória. Ainda que tal possa parecer um fútil jogo de palavras, talvez o esquecimento pudesse ser um termo preferível para associar ao singular empreendimento artístico do autor francês. “Após três gerações, todos caímos no esquecimento”, disse ele numa entrevista concedida ao semanário francês La Vie em 2010, por ocasião da notabilíssima instalação no Grand Palais, em Paris. Na grande nave, exibiu-se, então, uma impressionante montanha de dez metros de roupa comprada em segunda mão, que um guindaste com um gancho de cinco dedos içava para a seguir a deixar tombar. É o enigma da morte que aqui Christian Boltanski coloca em destaque. Segundo o artista, as roupas simbolizavam corpos humanos e a mão de ferro tanto podia simbolizar a mão de Deus quanto o acaso. Christian Boltanski explicou que usava roupas que, tal como a fotografia, evidenciavam, simultaneamente, a existência e a ausência de uma pessoa: “Uma pessoa usou, amou, impregnou com o seu cheiro esses tecidos”. Em Guimarães, na Fábrica Asa, em 2012, no âmbito da Capital Europeia da Cultura, Christian Boltanski forjou um dispositivo que fazia circular roupas de pessoas mortas. Em Paris ou em Guimarães, o artista afirmava um intento da mesma natureza: “Eu crio monumentos para homenagear os humanos. Toda a gente é digna de ser olhada, cada pessoa é importante e maravilhosa”. Uma coincidência biográfica tornou ainda mais exacta a afirmação de Christian Boltanski enquanto “artista que viveu depois da Shoah” – um artista “que sabe que tudo é possível”, “que a cultura não traz sabedoria” e “que o progresso técnico não é sinónimo de bem-estar”. O dia do nascimento em 1944, em Paris, foi, simultaneamente, o dia da Libertação. “Todos os amigos dos meus pais eram sobreviventes”, constatava o pequeno Christian. Diz ele que, “quando criança, estava perdido”. Recusava-se a ir à escola, quase não falava. “Era idiota”, acrescenta. Explica que se tivesse nascido numa família menos compreensiva, provavelmente teria sido internado num asilo. O destino artístico nasceria da aprovação que mereceu um seu pequeno trabalho em plasticina. “Tinha encontrado o meu caminho. Trabalhar sobre a sua infelicidade cura, mantém o sofrimento à distância”. Para Christian Boltanski existem – “caricaturando muito” – dois tipos de artistas: “Os que trabalham sobre a arte ou a questão do belo e os que trabalham sobre a vida. Eu interrogo a vida”. O artista percebeu-o cedo. Quando, aos 23 anos, reparou que a infância terminara, procurou, nas primeiras obras, encontrar essa infância perdida. Depois, começou a interessar-se pela vida de milhares de pessoas anónimas. “Porque cada ser é único e amável”. O esquecimento, todavia, acomoda-se passadas poucas gerações. “É esta tensão entre o único e o perecível que tento explorar”. Christian Boltanski fá-lo conservando o que designa por “pequena memória”: “Os nadas que nos entrelaçam, os nosso saberes quotidianos. Cada um conhece uma história engraçada, a morada de um bom pasteleiro, lembra-se de uma queda de bicicleta…” O director do Museu de Arte Moderna do Centro Georges Pompidou, Bernard Blistène, afirmou à agência France-Presse que Christian Boltanski, “acima de tudo, amava a transmissão entre os seres, através de histórias, memórias”. Agora, “permanecerá como um dos maiores narradores contemporâneos”. Para memória futura, ficarão as pequenas parábolas que o artista dizia compor, usando, não palavras, mas imagens, sons e sensações.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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25 julho 2021