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Casos e casinhos

Este artigo foi escrito antes de ser conhecida a demissão da Secretária de Estado do Orçamento, Alexandra Reis. Mas penso que mantém toda a atualidade. O nosso país é ciclicamente abalado por polémicas que causam grande perplexidade ao comum cidadão, que passa a vida a trabalhar para assegurar o seu sustento e o da sua família. Se tudo lhe correr bem, ao fim de 30 ou 40 anos de trabalho reforma-se e, caso não tenha cometido nenhuma asneira ou tido algum azar, lá terá conseguido amortizar a casa que, com muito sacrifício comprou a crédito e irá para a reforma. Irá então receber uma pensão que, juntamente com alguma pequena poupança que tenha conseguido amealhar, lhe dará a justa medida para sobreviver com o mínimo de dignidade até ao fim dos seus dias. Sim, provavelmente nunca terá ido de férias para o Dubai, ou assistido ao vivo a um jogo do Mundial de Futebol do Catar. Também nunca terá comprado sequer uma garrafa de champagne Dom Pérignon, que custa pelo menos 150€ e nunca lhe terá passado pela cabeça comprar um telemóvel topo de gama. A sua maior extravagância tem sido, nos últimos anos, passar anualmente uma semana de férias com a família na Quarteira, no Algarve.

Fica assim chocado, como ficamos quase todos, quando ouvimos pelas notícias que alguém que esteve cerca de dois anos como administrador da TAP e que, não se sabe ao certo, mas pelas notícias terá renunciado ao cargo em junho deste ano (mas supostamente também saiu a pedido da empresa!), fez um acordo e recebeu uma indemnização da companhia aérea de meio milhão de euros, o equivalente ao rendimento de toda a sua vida de trabalho.

Ao que parece, a senhora, que, entretanto, no final de novembro foi nomeada Secretária de Estado do Tesouro e que, depois de sair da TAP foi ainda presidente de uma outra entidade pública (NAV Portugal), não foi demitida e auferia uma remuneração de cerca de 17.500€ mensais e os valores que lhe terão sido pagos resultam do acordo que fez com a empresa aquando da sua saída e enquadram-se na legalidade.

Ficam, no entanto, muitas perguntas por responder até ao momento, como sejam:

O que deu direito à ex-administradora da TAP a receber uma indemnização da empresa, onde entrou em 2017 e de que foi administradora durante cerca de dois anos?

Porque saiu verdadeiramente Alexandra Reis da TAP a meio do mandato?

Como é que uma empresa pública como a TAP, em situação de falência técnica, onde o Estado já injetou mais de 2.200 milhões de euros, e onde está previsto injetar muitos mais (cerca de 900 milhões), se dá ao luxo de pagar indemnizações aos ex-administradores que saem a meio do mandato?

O pagamento de uma indemnização deste tipo, ainda por cima milionária, destina-se a compensar um prejuízo patrimonial que alguém teve, por ficar subitamente sem fonte de rendimentos. Qual o prejuízo que Alexandra Reis teve, quando, 4 meses depois de sair já era presidente da NAV (curiosamente uma entidade que também tem a ver com os transportes aéreos), tendo sido, entretanto, nomeada Secretária de Estado do Tesouro?

Que legitimidade tem para exercer as funções de Secretária de Estado do Tesouro, um cargo onde se requer exigir a todos muita contenção, disciplina e rigor no dispêndio dos dinheiros públicos?

Que leis anda este Estado a fazer, com os visados a refugiarem-se sempre na legalidade, que permitem que situações como esta e outras (lembremo-nos do caso das alegadas viagens que os deputados recebam) aconteçam?


Autor: Fernando Viana
DM

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31 dezembro 2022