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Casa de pais, escola de filhos

O povo russo nunca foi um povo livre: passou do domínio dos Czares aos bolcheviques, aos leninistas, aos estalinistas e mais recentemente ao Putin: sempre o peso dos ditadores sobre eles, como peso de uma maldição herdada. É um rosário de sofrimento humano que o povo atenua com uma religião; a promessa de uma vida melhor para lá da morte, é uma almofada. E o povo sente esta opressão como uma expiação sem culpa para pagar. Quase se conforma como alguém que se habituou à dor. O mundo exterior à bolha totalitária ou oligárquica, sente como sua esta angústia do povo russo: nunca ter sido aquilo que tem no íntimo do seu pensamento: liberdade! Nunca ter voz que não fosse a estatal; nunca se sentir livre para dizer não. A Rússia vinha, a pouco-e-pouco, recuperando a sua imagem de povo bárbaro oriundo dos cossacos que, em hordas desordenadas, percorriam as estepes e tundras geladas, numa barbárie que a história universal conta com horror. Nunca deixaram de ser um povo mártir. A tresloucada megalomania de Putin, aviva esse passado, obrigando a história a recontá-lo com redobrado espanto. O mundo levantou-se contra a violência, proclamou a democracia e disse quanto ama a paz. Em Portugal, o sr. Putin não está só, tem por ele o PCP. E, enquanto uns se aproveitam da ocasião para dizer mal do Partido Comunista Português, eu quero aqui afirmar que o admiro pela sua coerência à doutrina totalitária onde reside e se instalou a sua génese: tomado pela força das armas aquilo que não pode ser tomado pela vontade popular, horror à democracia, economia estatal, comunicação social silenciada e voz calada, aos que, por acaso, beberem outra informação e se manifestarem contra o regime, decretam-lhes a prisão e ou desaparecimento físico: envenenamento, caída de janelas, atropelamento acidental, etc. Portanto, não há que estranhar que o PCP português esteja do lado daqueles que professam esta prática política. Cara de pai, rosto de filho. Qual democracia?!!! O PCP não apoia Putin mas encontra desculpas pelo que ele faz, assim a modos de que diz aquilo que me dão de comer eu engulo. É o peso do historicismo a comandar esta ideologia que um dia nasceu para libertar os povos das desigualdades sociais dos czares e, afinal, criou outra bem mais pesada: a perda da identidade individual. Se eu não sei quem sou, o que sou? É a herança atávica de Lenin, de Stalin, de Trotski, Karenski os mesmos que leram enviesadamente a doutrina do Marx ou de Proudhon. A tal casa de pais. O mundo reagiu contra a invasão ucraniana duma maneira tão categórica, que deve ter deixado na alma do ditador russo, a perplexidade desta razão de ser. O seu pensamento não tem a lucidez suficiente para perguntar: só eu é que levo o passo certo nesta parada? Não estou só, dirá consigo a título de consolo: tenho comigo os filhos que aprenderam na casa de meus pais. Mas cuidado, ele é uma fera acossada no seu domínio e, quando se vir perdido, pode deitar mão ao poder atómico que possui em profusão. Ele já o disse e se o disse já o pensou. Ele perdeu a guerra no conceito mundial e também ainda a não ganhou à heroica resistência ucraniana; isso deve assustá-lo ao ponto de diminuir-lhe o seu ego bêbedo de glórias passadas. Dizem os brasileiros que “não se deve tocar a onça com uma vara curta”. Se isto é assim com uma onça, como será com um urso?


Autor: Paulo Fafe
DM

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7 março 2022