A história de Carol Smith não seria, por si só, bastante para fundamentar uma petição que será enviada ao Presidente e ao Congresso dos Estados Unidos da América, mas a iniciativa torna-se justificável porque a ocorrência em que a senhora está envolvida é um eloquente sintoma de um problema de gravidade incontestável.
A Carol Smith desta história, na verdade, não existe. Foi apenas um nome inventado para testar o funcionamento do Facebook. O perfil de Carol Smith apresentado nesta rede social incluía apenas meia-dúzia de informações: era uma mãe conservadora da Carolina do Norte. Os interesses circunscreviam-se a seguir o cristianismo e a educar os filhos. Informava-se através da Fox News e apoiava Donald Trump. Nada mais.
Carol Smith não manifestou qualquer interesse particular em teorias da conspiração. E, todavia, em apenas dois dias, o algoritmo do Facebook sugeriu-lhe que se juntasse a grupos do Facebook relacionados com o QAnon, um grupo de extrema-direita, constituído por adeptos de teorias da conspiração, famoso por, no início deste ano, no dia 6 de Janeiro, ter promovido o assalto ao Capitólio, causador de várias mortes. Dir-se-á, talvez, que de Trump ao QAnon é pequeno o passo. Pode ser. Mas o Facebook não deve empurrar, impelindo seja quem for a dá-lo.
Promovida pela organização ciberactivista Demand Progress [1], defensora da liberdade e da privacidade online, e em fase de recolha de assinaturas, a petição endereçada a Joe Biden e ao Congresso garante que “Carol Smith” não é um caso isolado. Para a Demand Progress, as recentes revelações dos Facebook Papers tornaram ainda mais evidente que o Facebook sabe que a sua plataforma prejudica os utilizadores e promove o extremismo e, além disso, não tenciona fazer seja o que for para o evitar. Ou seja: empurra, sabe que empurra e vai continuar a empurrar.
Os autores da petição consideram que o procedimento é tanto mais grave quanto se sabe que, segundo documentos internos da empresa, 78% dos adultos e quase todos os adolescentes usam alguma aplicação propriedade do Facebook: o próprio Facebook, o Instagram ou o WhatsApp. A percentagem reporta-se aos Estados Unidos da América, mas ela é igualmente elevadíssima noutros países. Não é, aliás, por acaso que a imprensa portuguesa tem estado enxameada de anúncios de página inteira que propagandeiam as virtudes do Facebook.
As suas práticas nefastas, apesar da publicidade e dos esforços muito noticiados para lavar a imagem, são reincidentes e têm sido veementemente denunciadas. O hábito do Facebook de “manipular rotineiramente o comportamento dos utilizadores em larga escala, e recorrendo a meios indecifráveis e portanto incontestáveis”, é referenciado por Shoshana Zuboff, professora emérita da cátedra Charles Edward Wilson da Harvard Business School, na notável obra A Era do Capitalismo da Vigilância [2]. O Facebook, explica a académica, “detém meios inéditos de modificação comportamental que atuam dissimuladamente, em larga escala e na ausência de mecanismos sociais ou legais de concordância, contestação e controlo”. Uma empresa que, a bem do negócio, se serve da “modificação dos comportamentos” e da “manipulação emocional” – e sem propósito de emenda – beneficia de uma aceitação social incompreensível ou, pelo menos, da generalizada indiferença dos utilizadores.
Também por isso, a Demand Progress tem razão ao pretender que o Presidente e o Congresso dos Estados Unidos da América acabem com a impunidade do Facebook e com o desmedido poder de que dispõe – para, designadamente, transformar pessoas normais em extremistas, como a história de “Carol Smith” demonstra. A empresa é, de facto, demasiado perigosa para lhe confiarmos o nosso acesso à informação, à nossa saúde mental e à nossa democracia. Está na hora de lhe pôr um freio e de a controlar.
[1] https://act.demandprogress.org/sign/tell-congress-break-facebook-up-mo/
[2] Relógio d’Água, 2020
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
Carol Smith e o Facebook

DM
7 novembro 2021