Não restam dúvidas que os estabelecimentos de ensino devem ser os parceiros privilegiados dos responsáveis municipais, já que são eles que estão vocacionados para chamar à colação os autores e as doutrinas que poderão influenciar os caminhos no diálogo intercultural. Afigura-se-me que, entre esses instrumentos, estarão a ciência e a filosofia, mais especialmente a filosofia do direito.
Todos estes contributos poderão ser elementos agregadores das diversas culturas. Mas, também o direito comparado, já que a comparação intercultural pode servir à formulação de leis e princípios gerais, independentes do tempo e do espaço, permitindo determinar os traços essenciais num número maior ou menor de ordens jurídicas concretas, encontrando-se então um fundo comum a todas.
No âmbito da resolução de conflitos há que lançar mão à equidade e reciprocidade como meios de alcançar a justiça e a paz social. Para os moralistas, a equidade é uma virtude integrada na justiça e ligada à prudência, mais precisamente respeitante ao discernimento dos casos singulares que escapam ao teor geral das normas. É encarada como uma justiça natural, superior à justiça positiva e, eventualmente, de outros valores necessários à humanização do direito.
A doutrina da equidade foi trabalhada por Platão, Aristóteles, Santo Alberto Magno, e S. Tomás de Aquino. A experiência jurídica histórica deu também o seu contributo: por exemplo, o direito romano e o direito canónico. Modernamente, tem havido um notável esforço na revalorização por parte da doutrina jurídica europeia, predominando a tradição aristotélica-tomista.
A equidade, sendo fonte universal do direito, pode ser a alma das nações e a força aglutinadora da comunidade organizada.
Como símbolo da união, no plano doutrinário, encontra-se, sem dúvida, o filósofo Immanuel Kant, nascido na cidade de Konigsberg, no que era então parte oriental da Prússia, por se afigurar que os princípios universais da sua doutrina moral, nomeadamente o seu imperativo categórico e os respeitantes ao direito, à cidadania e à paz, poderão conduzir à unidade possível das várias culturas, que sem comprometer a especificidade de cada uma, é capaz de dar o sentido ao diálogo intercultural.
A universalidade da moral kantiana reside no seu denominado imperativo categórico: “age de tal forma que a máxima da tua conduta possa ser erguida em regra universal”. Mas, Immanuel Kant ofereceu também à humanidade uma formulação complementar do imperativo categórico, que nos pode ajudar no alcance da equidade: “age de tal modo que trates sempre a humanidade, quer seja na tua pessoa, quer na dos outros, nunca unicamente como meios, mas sempre ao mesmo tempo como um fim”.
O justo e a justiça constituirão a meta do direito, ou seja, a sua razão teológica. Daí admitir-se que a referência valorativa do direito tenha de abranger os conceitos de justiça, igualdade, equidade, honestidade, solidariedade, clemência, bondade, lealdade, etc. Quando a humanidade (comunidade universal) existir nestes termos, então uma violação dos direitos, numa parte do mundo, será sentida, da mesma maneira, por toda a parte. Apenas ao abrigo desta condição é que poderemos, conforme escreveu Kant, lisonjearmo-nos a nós próprios com a certeza de que estamos continuamente a progredir em direção à paz perpétua.
PS. Parabéns a Guimarães por ter acolhido refugiados. Desta vez, são 30 cidadãos da comunidade YASIDI, alvo de perseguições e massacres por parte dos terroristas do Estado Islâmico.
Autor: Narciso Machado