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Bom trato e boas maneiras

A mudança acelerada do mundo contemporâneo não justifica mas explica e desculpa mesmo a também acelerada mudança do que são consideradas «boas maneiras» – que ainda há uma vintena de anos eram comuns a todos os extractos sociais e hoje já são apenas acessíveis a extratos sociais superiores. Certas camadas intelectuais fazem mesmo gala em prescindir de toda e qualquer forma de etiqueta, que mais não é do que norma de conduta social, de respeito pelo Outro. (Na realidade não prescindem das boas maneiras: ignoram-nas – o que é completamente diferente). O que quer dizer que, em termos de civilidade, ou seja, de civilização, andámos e continuamos a andar para trás. E assim se vulgarizou o uso do «você» – mesmo quando se fala com superiores, com pessoas mais velhas, com desconhecidos, com gente com quem não se tem um mínimo de confiança ou de proximidade. Assim se vulgarizou o plebeísmo de tratar pelo nome de baptismo os homens com quem não se tem intimidade nenhuma: o sr. Manuel, o sr. Francisco, o sr. José. O nome de família, prova de deferência e respeito, foi pura e simplesmente abolido. Etc, etc. Estas e muitas outras semelhantes grosserias caíram com tal intensidade no quotidiano que, para muita gente (não toda, felizmente) deixaram, por ignorância, de ser grosseria. Mas isto é o domínio das boas maneiras. Não se gosta, não se justifica mas… aceita-se. A contragosto, mas aceita-se. Ou melhor: tolera-se. O que não se pode tolerar é o mau trato que – talvez por tudo quanto precede – se está a tornar tão corrente quanto as más maneiras. Na política, mas sobretudo na crónica e no comentário político jornalístico e televisivo, o mau trato substituiu a argumentação racional, a lógica e mesmo o conhecimento. Não se argumenta: apouca-se o adversário, achincalha-se, insulta-se mesmo – e fica definitiva a crónica, o comentário, o juízo. Numa crónica recente Miguel de Sousa Tavares dizia que tem pelo deputado do PAN a mesma consideração política e intelectual que tem por uma perdiz sem penas ou por um coelho esfolado (as palavras não seriam exactamente estas, mas o sentido era). Mais recentemente o pediatra Dr. Mário Cordeiro escreveu: «Até hoje não vi o professor Mário Nojeira – desculpem o erro ortográfico… – Mário Nogueira, dizer alguma coisa sobre o assunto da fraude no exame (…)». Eu não conheço o deputado do PAN de lado nenhum (nem lhe sei o nome!), estou nos antípodas das ideias que ele defende e não aceito as alegações com que as defende. Como só conheço o professor Mário Nogueira do seu longo historial em prol de um conceito de Ensino, de Escola, de Pedagogia e, sobretudo, de Docência, de que eu, velho docente, discordo radicalmente e contra os quais continuo a lutar na medida das minhas, já poucas possibilidades. Mas contra um e outro tenho argumentos que reputo sólidos, racionais, lógicos e técnicos que nada têm a ver com insulto, escárnio, amesquinhamento ou ironia soez. Vítor Rainho, jornalista de um jornal respeitável, não gosta do Dr. Rui Rio a quem chama o «agarrem-me se não eu vou à liderança do PSD». Está no seu direito, mas era conveniente que explicasse porquê, porque o manifesto preconceito contra tudo o que se afasta 50 km de Lisboa não é explicação nenhuma. À falta de melhor, remata assim a «sua» explicação: «Já era tempo de ser crescidinho e aparecer». Se a má-criação explicasse alguma coisa, talvez percebêssemos o pensamento do autor de tão civilizada prosa… Na semana seguinte, vira as suas habilidades estilísticas contra o Dr. António Lobo Xavier, de que, pelo visto também não gosta. Continua a estar no seu direito. Só que também, e uma vez mais, não se explica. E prefere amesquinhar chamando-lhe «político de sofá que adora fazer poses de grande estadista em férias». O motivo do ataque parece ser a defesa que aquele especialista em direito fiscal faz de Cristiano Ronaldo – como se um qualquer advogado não pudesse (e devesse) assumir a defesa dos seus constituintes. E a fechar a profundidade do seu raciocínio chama-lhe «galã de província»… (sic) De província é este estilo cronista. Provinciano e serôdio a lembrar aquelas crónicas dos jornais de província do séc. XIX que Eça tão finamente causticou. Estes são apenas exemplos recentes e avulsos. Tantos e tão frequentes que levaram Pacheco Pereira – um homem que não é conhecido por formalismos e puritanismos – a escrever assim: «Se as regras de bom trato se tornam apenas polémicas quando o insulto tem um conteúdo politicamente incorrecto, estamos a andar para trás convencidos que estamos a andar para a frente». Eu não sei dizer melhor. Estamos a regressar à barbárie. Nota: por decisão do autor, este texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Autor: M. Moura Pacheco
DM

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8 julho 2017